segunda-feira, 10 de novembro de 2008

RELATIVISMO

RELATIVISMO E IMAGINAÇÃO OU AMOR, DEUSES, MORTE E UMA PITADA DE INVEJA

A incapacidade de se conhecer o mundo segundo a conclusão do ceticismo bem como afirmar que a compreensão do mundo é resultado de um ponto de vista particular concluindo desse modo que não há nenhuma perspectiva universal sobre o mundo. Optar por uma das correntes é arcar com o ônus de uma argumentação infindável. Mesmo assim arrisco algumas considerações lançando mão de certas ‘muletas’ intimas do ser humano.
A mais notória, sem dúvida, a religião; e a seguir, a morte que por incrível que pareça não é difícil encontrar quem a aceite como relativa. Tanto na religião como na morte acusamos a presença do sagrado, a união do visível com o invisível, do inquestionável segundo os religiosos , inclua-se aí os espíritas pois eles prioritariamente unem a natureza e o sobrenatural.
Antes de prosseguir vale dizer que defender o relativismo não parece tarefa das mais árduas, visto que a tudo se pode relativizar, ao percebermos que tanto morte como o possível Deus também podem ser relativizados,, o que nos resta? Desse modo os ódios podem ser amenizados e os amores também permitem um certo embrutecimento, do território de ninguém podemos avistar o território de todos, do vale tudo? E onde fica o amor desinteressado dos gregos, que significava fato de se alegrar com a simples existência do outro?
O que fazer frente a tantas opções que não levam a uma conclusão plenamente satisfatória?
Partimos pois do sagrado. O que é o sagrado ? É a união do terreno, do humano, com o além. Um ser, dotado de poderes sobrenaturais, católicos o identificam nas imagens, madeira, gesso,ferro, pouco importa, Deus está ali, da mesma forma, para o catolicismo, Deus também habita a pequena hóstia.
Artistas, os mais midiáticos entenda-se, também lhes são concedidos centelhas do sagrado pela admiração popular, são considerados seres iluminados, abençoados, fenômenos.
Quem de nós não ouviu que “a vida é sagrada”? É? Mas que vida, a humana tão somente? Por quê? Não matarás se aplica exclusivamente à vida humana? No entanto, mata-se? Donde deduz-se que o “não matarás” também é relativo. É? E se temos o sagrado, tudo o mais é profano? Não creio na necessidade desses antagonismos, nessa polarização, mas se não é assim, então como ficamos? Simples, tudo é relativo.
O sagrado é relativo, Deus é relativo e viver e morrer também podem ser relativos. Tudo depende. Entre os gregos não havia deus, mas não lhes faltava divindade, entenda-se como divindade a harmonia cósmica, uma forma de transcendência. No livro VI de A República, Platão nos fala do divino e não dos deuses. Kant, por sua vez, na última parte de Crítica da Razão Prática lança mão do religioso, fala dos valores transcendentais.
O homem inventou Deus, e depois? Acreditou. Lembro de Voltaire “Deus criou o homem à sua imagem e este lhe pagou na mesma moeda.” Enfim, tudo vai depender da crença, e onde há crença a informação pode ser duvidosa, ou seria relativa? Quem entende relativa a morte deve entender relativa também a vida e vice versa. Quem assim age em relação ao sagrado opera o mesmo com o profano. O que nos resta fazer? Tirar um pouco de sagrado do sagrado e um pouco de profano do profano? Religião e superstição, inseparáveis?
Amenizar todos os discursos? A opinião sensata seria não emitir opinião? Sagrado, Deus, vida e morte, se discordo veementemente da relativização dos referidos temas, também sou forçado a aceitar o senso comum que indeciso entre o egoísmo e a covardia inventa seus desvios na busca vã do cálice da eternidade. Lamentável! Lamentável pois o núcleo antropológico que alimenta e sustenta o religioso tende a se perpetuar. O religioso e o divino, o divino que transcende a moral, que transcende a religião, pode ser uma alternativa, mas ao tratarmos dessa forma, não estaríamos operando com o relativismo? Enfim, tudo é relativo. Seria mesmo? Talvez.
Vejamos o amor. O que é o amor? Amor é reencontro, digamos. Mas se temos A necessariamente teremos B a fazer-lhe contraponto. Logo teremos o mal. O que é o mal? A negação. Quem sabe?
Percebemos o mal à primeira vista, e o amor? Esse não. Amor é a arte do reencontro. Os grandes amores não acontecem à primeira vista, conforme afirma Michel Serres. É do esquecimento do primeiro encontro que surgirá o amor. E o mal, de onde brotaria? Da inexistência do reencontro? Bem, aí é relativo. Tem gente que nasce predisposta ao mal afirmam certos estudos, até que ponto confiáveis não sei.
Mas digamos que o amor e o mal sejam relativos, como interpretar a atitude de um estudante americano que dispara contra seus colegas de escola? Como entender aquele homem que aos cinqüenta anos vive o amor que imaginou na infância? E esse amor é exatamente o fruto de um reencontro, sentimento que se mantivera virgem por duas décadas? Isso daria razão à tese de Michel Serres , na verdade o amor à primeira vista é prerrogativa da ficção, da literatura, do cinema? Se levarmos em conta que o amor do homem de cinqüenta anos também é fruto da sua imaginação, da persistência da sua imaginação, podemos concluir que ambas possibilidades podem se estabelecer ou não, e sendo assim tanto a origem do amor quanto a do mal, são relativas. Até aqui usamos o relativismo para tratar dos enunciados, ainda não tratamos das inevitáveis conseqüências.
Para não nos alongarmos muito, nos limitaremos a questão do mal. O mal relativo. Pode? Quem sabe?
A guerra, por exemplo, pode ser relativa? Se é relativa admite o bem e o mal. É óbvio que para a indústria armamentista é um bem, mas para o soldado recrutado independente de suas convicções, não passa de um transtorno, um abuso de autoridade que pode custar-lhe a vida, não sem antes obrigá-lo a dispor de inúmeras outras caso pretenda se manter vivo.
Visto por todos os ângulos possíveis o relativismo nos parece uma opção ou uma orientação bastante cômoda quando na sustentação de determinados pontos de vista. É quase como tentar descobrir quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha. Vai depender de a quem interessar ser um ou outro naquele exato momento. Para concluir busco socorro no homem de cinqüenta anos, ele não crê em deuses, sabe-se concessão da morte, não faz relativo seu amor e respeita sua imaginação. Esse homem de vez em quando voa. Solitariamente para não provocar inveja. E por falar em inveja, ela aceita o relativismo?


Luíz Horácio -Professor de Literatura, escritor, autor dos romances Perciliana e o pássaro com alma de cão-ed.Conex e Nenhum pássaro no céu-Ed. Fábrica de Leitura,
Coordenador do curso de Pós-Graduação latu-sensu Literatura-Produção literária, das Faculdades Monteiro Lobato-FATO-Porto Alegre

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