domingo, 26 de julho de 2009

PAULO DE TARSO – UM EXEMPLO A SER SEGUIDO

"Três coisas são necessárias para a salvação de um homem: saber em quem deve acreditar, saber o que deve desejar e saber o que deve fazer." (São Tomás de Aquino).

Silvia Letícia Carrijo de Azevedo Sá


A grande noticia do dia. Saulo um soldado Romano convicto, promove uma matança em sua cidade e cidade circunvizinha, ateia fogo em casas e coloca em presídio homens e mulheres por causa da sua fé em um homem intitulado Rei dos Judeus e Cristo filho de Deus. Saulo é o exemplo da lei em seu país. Tudo que ela (lei) lhe ordena, como soldado romano a executa.
Ficou mais conhecido na ocasião do assassinato de Estevão. Morto a pedradas por sua fé em Cristo Jesus. Onde suas roupas foram deixadas aos pés deste jovem Saulo. Este de acordo com esta excussão começa então a perseguir um povo chamado de Cristão.
Onde quer que este povo se encontre ele seria para eles o terror. Colocava fogo, matava, “entrando pelas casas, arrancava homens e mulheres e metia-os na prisão” (Atos 8,1-3).


Saulo nasceu em uma cidade chamada Tarso (na Ásia Menor) não era um homem qualquer, era estudioso das leis judaicas, onde foi instruído desde sua mocidade. Cuidadoso quanto ás leis e ordens da mesma. Como tal ele não poderia admitir as palavras do povo que dizia que aquele homem que vira ao mundo era o filho de Deus chamado Jesus Cristo de quem o povo não cessava de relatar. Era então necessário por motivos lógicos silenciar aquelas palavras, mesmo que para tal houvesse prisões e mortes.




Em uma de suas corriqueiras viagens a trabalho, iria a Damasco, onde estava perseguindo mais um daqueles povos que se chamavam “povo de Deus”. No caminho teve um dos encontros mais inesperados de sua vida, onde também ouve a maior mudança de sua história. Ele iria prender aquele povo para poder silenciá-los.

De repente uma fonte de luz vem de encontro aos seus olhos e o joga ao chão. Sem o que fazer ele interroga o que estava havendo com ele. Em meio a esta confusão surge uma voz que o interroga dizendo: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Ele perguntou: “Quem és, Senhor?” E a resposta: “Eu sou Jesus, a quem tu estás perseguindo...”.(Atos 9:5). No mesmo instante ele fica cego, vulnerável. Não poderia ver quem ou o que estava a sua frente. Em meio à escuridão Jesus a quem Saulo persegue lhe dá instruções do que fazer a partir daquele momento.



O ponto chave da vida de Saulo estava na sua obediência. Aquela voz era estranha para ele, mas sabia reconhecer uma autoridade, ele era submisso a uma e era também uma autoridade. Saulo não questionou porque estava cego, apenas seguiu para lhe fora ordenado. Reconheceu dentro em si que aquela voz lhe falava com autoridade e poder. A voz silenciava sua autoconfiança, calou sua razão e conhecimento de lei.


Em Damasco ficou três dias sem se alimentar (jejum) esperando que viesse outras informações celestes a fim de resolver sua situação, orava e buscava a Cristo. Um homem chamado Ananias foi informado por Cristo que deveria ir até lá encontrar com Saulo. Ananias teve medo devido à fama deste homem. Não havia cristão que não soubesse quem ele era. ”Ordenou-lhe o Senhor: Levanta-te, vai à rua chamada Direita e procura em casa de Judas um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando; e viu um homem chamado Ananias entrar e impor-lhe as mãos, para que recuperasse a vista. Respondeu Ananias: Senhor, a muitos ouvi acerca desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e aqui tem poder dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome. Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome perante os gentios, e os reis, e os filhos de Israel;” (vs. 11-14).

Ao receber a oração de Ananias Saulo retoma sua visão. Como que uma escama cai de seus olhos, sua visão da vida nunca mais será a mesma. Sua vida, valores encontraram outra forma de existir. De Saulo passa a ser chamado Paulo (13: 9) de perseguidor do povo de Deus passa a fazer parte deste povo.

Basílica de Paulo de Tarso (Tarso)

É uma das histórias mais incríveis de conversão que já li. Não é muito diferente da sua nem da minha. Não do ponto de vista dos atos cometidos, mas porque todos nós somos escolhidos por Cristo a salvação. Não importa sua vida, não importa que atos comete hoje. Cristo está sempre esperando que você o deixe falar em meio a sua caminhada, que permita que Ele entre em sua vida e mude sua história.

De carrasco, destruidor de vidas e sonhos a um homem ou mulher escolhido (a) por cristo para levar boas novas de salvação. Quantos desejam estar longe de você por saber quem você é assim como Saulo. Mas quando Jesus transformar sua vida, todos desejaram te rever para saber como aconteceu tal mudança.

Não foi fácil para Paulo (Saulo) entrar no meio deste povo, já que sua fama não era boa, mas sua maneira de vida recebeu uma transformação tão grande que pessoas queriam vê-lo, ouvi-lo e saber o que havia acontecido com seu coração. Queriam saber de onde vinha tanta mudança de comportamento e de vida.

Esse foi um instrumento que Deus usou naquele tempo para que hoje recebêssemos uma mensagem de salvação. Você pode também neste momento se tornar um instrumento de salvação na sua casa, cidade e sua galera. Todos vão desejar saber onde encontrou esta verdadeira vida. Você será um referencial de Jesus no seu meio.

O que fazer? Faça como Paulo, quando Jesus o chamou ele não questionou de onde vinha, apenas queria saber quem era. Quem lhe falava. Hoje Cristo bate a porta do seu coração “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele" (Apocalipse 3,19). Abra seu coração, fique no silêncio de sua alma e verá que a paz te procura. Jesus quer salvar você. Quer lhe trazer uma nova vida, uma nova realidade um novo sonho e um novo futuro. Hoje é o seu dia assim como aconteceu na vida de Paulo.
As mãos que matavam, a partir daquele momento passaram a curar, levar alivio as almas perdidas e sem rumo.

Paulo levou o evangelho com o mesmo fervor que com que levava o judaísmo. Foi perseguido e preso por várias vezes como ele fazia com outros antes, mas não desanimou pois sabia em quem estava sua fé. Não abandonou Jesus em nenhum momento de luta, pois conhecia quem Ele era.

Sua vida pode mudar agora, não precisa esperar que uma luz lhe apareça, feche seus olhos neste momento e diga comigo: Senhor Jesus, te conheço, apenas de ouvir falar, mas entre no meu coração e faça as mudanças que forem necessárias para que eu possa desfrutar do que há em ti para minha vida. Perdoe os meus pecados e mude minha vida. Amém.

*** *** *** *** *** ***

O homem que inventou Cristo

Para conquistar fiéis, ele fez concessões que desagradaram aos discípulos de Jesus – e ainda despertam acirradas discussões entre pensadores e religiosos.

Yuri Vasconcelos



O mundo cristão não seria o mesmo sem a mensagem que São Paulo transmitiu ao Império Romano. Para conquistar fiéis, ele fez concessões que desagradaram aos discípulos de Jesus – e ainda despertam acirradas discussões entre pensadores e religiosos. Afinal, Paulo espalhou ou deturpou a palavra de Cristo?

Estamos no ano 34 da era cristã. Passaram-se poucos anos desde a crucificação de Jesus. Sua mensagem espalhou-se rapidamente por toda a Palestina e seus discípulos eram implacavelmente perseguidos, principalmente pelos judeus. Os seguidores de Jesus são acusados de heresia e traição à Lei de Moisés. Em Jerusalém, um jovem judeu chamado Saulo faz verdadeiras atrocidades com os cristãos. Persegue-os furiosamente, invade suas casas e os manda para prisão. Informado de que, a cada dia, cresce a comunidade cristã em Damasco, na Síria, pede e obtém do Sinédrio, o Supremo Tribunal da comunidade judaica de Jerusalém, cartas de recomendação aos rabinos daquela cidade, autorizando-os a caçar os hereges cristãos. Acompanhado de alguns homens, percorre a cavalo os cerca de 200 quilômetros até Damasco. Depois de sete dias de viagem, sob um sol escaldante, consegue finalmente avistar as muralhas da cidade.

Mas, de repente, uma forte luz vinda do céu incide sobre ele e assusta seu cavalo, que o joga no chão. Naquele instante, o jovem judeu ouve uma voz que diz: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”

Atônito, ele indaga: “Quem és, Senhor?” A voz responde: “Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te, entra na cidade e te dirão o que deves fazer”.

O séquito de Saulo permanece mudo de espanto, sem entender de onde vem aquela voz. Saulo, por sua vez, ergue-se do chão, mas não consegue enxergar nada. Em Damasco, permanece três dias e três noites em jejum, refletindo sobre o estranho acontecimento, até ser visitado por Ananias, um discípulo de Cristo, que lhe diz: “Saulo, meu irmão, o Senhor me enviou. O mesmo que te apareceu no caminho por onde vinhas. É para que recuperes a vista e fiques repleto do Espírito Santo”. Nesse exato momento, duas escamas caem dos olhos de Saulo, que volta a ver. Em seguida, ele é batizado. Convertido, Saulo de Tarso tornou-se aquele que talvez tenha sido o mais importante difusor da palavra de Jesus: São Paulo.

O episódio acima, narrado em detalhes no livro Atos dos Apóstolos, do Novo Testamento, teria marcado radicalmente a vida de Paulo. Não é possível provar que ele tenha de fato acontecido. Os textos bíblicos são as únicas fontes disponíveis para se reconstituir a história do santo – acreditar neles é uma questão de fé. Tenha ocorrido de forma tão espetacular ou não, a conversão de Paulo mudou para sempre os rumos da religião cristã. Para muitos teólogos, Paulo foi um personagem fundamental nos primeiros anos do cristianismo. Seu trabalho de evangelização foi, em grande parte, responsável pelo caráter universal da doutrina cristã e sua mensagem, expressa em cartas enviadas às comunidades que fundava, ainda hoje é considerada o alicerce da jurisprudência, da moral e da filosofia modernas do Ocidente. Enquanto a maioria dos apóstolos que conviveram com Jesus restringiram sua pregação à Palestina, Paulo levou a palavra de Cristo para lugares distantes, como a Grécia e Roma.

Sua importância na construção da Igreja primitiva é tão grande que muitos estudiosos atribuem a ele o título de pai do cristianismo.

Paulo desempenhou um papel maior na evangelização dos primeiros cristãos”, diz o biblista Jerome Murphy-O’Connor, professor da Escola Bíblica e Arqueológica de Jerusalém e um dos maiores estudiosos do santo. O historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em cristianismo e judaísmo antigos, concorda: “O cristianismo, tal como existe hoje, deve muito a Paulo. Se não fosse o apóstolo, ele provavelmente não teria passado de mais uma seita judaica”. Isso não quer dizer que o trabalho dos 12 apóstolos tenha sido irrelevante, mas eles pregaram numa região, a Palestina, que viria a ser devastada pelos romanos entre os anos 66 e 70. “Sem dúvida, Paulo foi o apóstolo que teve maior repercussão com o passar dos séculos”, afirma o teólogo Pedro Lima Vasconcellos, professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.




O termo apóstolo, no sentido de evangelizador, é freqüentemente usado para se referir a São Paulo. Não há evidências históricas, entretanto, de que ele tenha conhecido Jesus Cristo.

A influência de Paulo é indiscutível. Mas, para uma corrente de historiadores e teólogos, ele deturpou os ensinamentos de Jesus Cristo – a ponto de a mensagem cristã que sobreviveu ao longo dos séculos ter origem não em Cristo, mas em Paulo. Esses pensadores julgam ser mais correto dizer que o que existe hoje é um “paulinismo”, não um cristianismo. “As cartas de São Paulo são uma fraude nos ensinamentos de Cristo. São comentários pessoais à parte da experiência pessoal de Cristo”, afirmou o líder pacifista indiano Mahatma Ghandi, em 1928. Opinião semelhante tem o prêmio Nobel da Paz de 1952, o alemão Albert Schweitzer, que declarou: “Paulo nos mostra com que completa indiferença a vida terrena de Jesus foi tomada”.
As principais críticas da corrente antipaulina concentram-se em pontos polêmicos das cartas do apóstolo. Nelas, entre outras coisas, Paulo defende a obediência dos cristãos ao opressivo Império Romano, bem como o pagamento de impostos, faz apologia da escravidão, legitima a submissão feminina e esboça uma doutrina da salvação distinta daquela que, segundo teólogos antipaulinos, teria sido defendida por Jesus. “A mentira que foi Paulo tem durado tanto tempo à base da violência. Sua conversão foi uma farsa”, afirma Fernando Travi, fundador e líder da Igreja Essênia Brasileira. Os essênios eram uma das correntes do judaísmo há 2 mil anos, convertidos na primeira hora ao cristianismo. “Ele criou uma religião híbrida. A prova disso é o mundo que nos cerca. Um mundo cheio de guerra, de sofrimentos e de desespero.”




Paulo: Judeu, grego e romano

Para entender melhor o papel de São Paulo na origem e construção do cristianismo é preciso voltar no tempo e acompanhar de perto sua vida. O principal relato sobre ele está presente nos Atos dos Apóstolos, livro escrito pelo evangelista Lucas, que foi também dos maiores discípulos de Paulo. Seus relatos, no entanto, não são considerados um retrato fiel dos acontecimentos. “Os Atos devem ter sido escritos cerca de 15 a 20 anos após a morte de Paulo, quando ele já poderia estar caindo no esquecimento. Lucas, então, expressa uma visão romanceada do apóstolo, transformando-o em um herói ou, mais do que isso, em um modelo de discípulo”, afirma José Bortolini, padre da Congregação Pia Sociedade de São Paulo, mestre em exegese bíblica e autor do livro Introdução a Paulo e suas Cartas. Outra fonte de informação sobre o apóstolo são as cartas (ou epístolas) escritas por ele para as comunidades cristãs que tinha fundado.

Com base nessas duas fontes, sabemos que Paulo era um judeu detentor de cidadania romana, criado em um ambiente culturalmente grego.

Ele nasceu em Tarso, na Ásia Menor, onde atualmente está a Turquia. Era uma cidade grande, com mais de 200 mil habitantes, por onde passava uma estrada que ligava a Europa à Ásia. Situada na província romana da Cilícia, a Tarso de então era predominantemente grega – um dos mais efervescentes centros de cultura do mundo helênico, chegando a rivalizar com Atenas. Mas também era cosmopolita. Abrigava um porto fluvial movimentado e se impunha como um importante pólo comercial. Suas ruas estreitas viviam apinhadas de gente e suas casas abrigavam povos de várias regiões: egípcios, bretões, gauleses, núbios e sírios – além dos judeus (como a família de Paulo), que na época já haviam se assentado em várias cidades do império.

A cidadania romana, citada nos escritos de Lucas, é um ponto controverso da biografia de Paulo. Tê-la garantia alguns privilégios, como o direito de participar das assembléias que decidiam questões sobre a vida e a organização da cidade e a isenção do pagamento de alguns impostos. Os cidadãos romanos também não podiam ser crucificados, caso fossem condenados à morte. Segundo Lucas, Paulo herdara a cidadania do pai ou do avô, que a teriam obtido por mérito ou comprado por uma volumosa quantia. Mas o apóstolo nunca se declarou romano em suas cartas. Para o biblista Murphy-O’Connor, o silêncio é compreensível: “Não havia razão para Paulo mencionar sua posição social em cartas a comunidades que ele desejava convencer de que ‘nossa pátria está nos céus’ ”, escreve o teólogo no livro Paulo: Biografia Crítica. Cidadão romano ou não, Paulo provavelmente fazia parte de uma elite – seu pai, especula-se, era dono de uma oficina onde se fabricavam tendas. Ele mesmo, aliás, dominava esse ofício.

O ano exato do nascimento de Paulo, bem como a data dos principais acontecimentos de sua vida, são, ainda hoje, motivo de controvérsia. Muitos historiadores supõem que ele tenha nascido por volta do ano 5 da era cristã. Era, portanto, alguns anos mais novo do que Jesus – cujo nascimento, segundo descobertas históricas recentes, é datado entre 6 e 4 a.C. Paulo foi educado na casa de seus pais, na sinagoga e na escola ligada a ela. Aos 15 anos, deixou Tarso e mudou-se para Jerusalém, onde matriculou-se na escola de Gamaliel, um dos sábios mais respeitados do mundo judaico. Paulo teve uma formação acadêmica de primeira – nos parâmetros atuais, algo equivalente a um doutorado em Harvard.

Nos tempos de estudante, Paulo presenciou uma situação que estaria na origem de sua “cristofobia”. Um dos alunos mais brilhantes era um jovem chamado Estêvão, um nazareno – nome dado aos que seguiam os ensinamentos de Cristo. Em uma discussão, Estêvão foi fiel a sua fé e declarou que Jesus era o messias: tal afirmação provocou a ira dos colegas, inclusive de Paulo. Pela blasfêmia, Estêvão foi levado diante do Sinédrio e condenado à morte por apedrejamento. Conforme o costume da época, as pessoas que iam apedrejar o condenado deveriam tirar suas próprias vestes e colocá-las aos pés de uma testemunha. No martírio de Estevão, a testemunha era Paulo.

Apedrejamento de Estêvão


A partir desse episódio, Paulo, que já era um intransigente defensor da lei e dos costumes judaicos, viu nos seguidores de Cristo uma ameaça real à sua própria religião. Foi então que passou a cultivar um ódio crescente pelos nazarenos e tornou-se um implacável perseguidor dos membros dessa seita. Depois de muito aterrorizar os cristãos de Jerusalém, decidiu agir na Síria. Foi quando aconteceu sua conversão no caminho de Damasco.

O missionário viajante

Paulo tinha cerca de 28 anos quando ocorreu seu encontro místico com Jesus. Depois de ter se tornado um fervoroso discípulo do Nazareno, viveu algum tempo na comunidade cristã damasquina, até ser expulso pelos judeus. Refugiou-se por cerca de dois anos na Arábia – território dominado pela tribo dos nabateus –, que se estendia do mar Vermelho até Damasco, margeando a Palestina pelo leste. Nesse período, estudou e refletiu sobre os ensinamentos de Cristo. Por volta do ano 37, retornou a Damasco, onde fez suas primeiras pregações. Mais uma vez, provocou a fúria da comunidade judaica e teve de deixar a cidade numa fuga cinematográfica. Como os portões da cidade estavam vigiados, ele escondeu-se num cesto que foi descido pelas muralhas. Era noite e Paulo andou por cinco horas até sentir-se a salvo. Após seis dias de caminhada, chegou a Jerusalém. Havia três anos que ele tinha deixado a cidade.

Os cristãos de Jerusalém o receberam com desconfiança. Afinal de contas, ainda estavam vivas na memória as atrocidades cometidas por Paulo. Coube a Barnabé, um ex-colega da escola de Gamaliel convertido ao cristianismo, apresentá-lo aos apóstolos. Foi nessa ocasião que aconteceu o primeiro encontro com Pedro, um dos discípulos mais próximos de Jesus. Durante 15 dias, eles permaneceram juntos. Mas não tardou para o Sinédrio saber que Paulo, agora cristianizado, havia voltado. Diante do perigo que corria em Jerusalém, Paulo mais uma vez teve de fugir: o destino foi Tarso, sua cidade natal, onde permaneceu por sete ou oito anos. Nada se sabe sobre sua vida nesse período.

Por volta de 45 d.C., convidado por Barnabé, Paulo mudou-se para Antióquia da Síria, onde a igreja dos nazarenos crescia rapidamente. Depois de Roma e Alexandria, no Egito, Antióquia era a terceira maior cidade do Império Romano. “Diferentemente do que acontecia em Jerusalém, onde os seguidores de Jesus ainda estavam ligados à lei e aos rituais judaicos, em Antióquia se respirava ar novo – lá, boa parte dos neocristãos vinha do paganismo”, afirma padre Bortolini. O termo cristão, como designação dos discípulos de Jesus, surgiu pela primeira vez nessa cidade. Esse fato reveste-se de importância porque pela primeira vez os seguidores de Jesus não são mais vistos como judeus dissidentes.

Foi de lá que Paulo – descrito em textos apócrifos como “um homem pequeno com uma grande cabeça careca” – partiu para sua primeira jornada missionária. Nessa ocasião, ele tinha cerca de 40 anos. Durante 12 anos, de 46 a 58, Paulo empreendeu quatro viagens evangelizadoras, visitando boa parte do Império Romano, que se estendia da Grã-Bretanha ao Oriente Médio, passando pelo norte da África. Eram jornadas árduas, feitas a pé ou de navio, sempre na companhia de outros discípulos. Quando viajavam por terra, seguiam pelas estradas romanas, percorrendo 30 quilômetros por dia. O perigo os espreitava, como escreve o apóstolo em uma de suas epístolas aos coríntios: “Sofri perigos nos rios, perigo por parte de ladrões, perigo por parte dos meus irmãos de raça, perigo por parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos falsos irmãos”.

A estratégia pastoral de Paulo era bem definida. Pregava nas sinagogas, em casas e praças de grandes centros urbanos, que funcionavam como pólos irradiadores da mensagem. Ao sair, designava um líder responsável pelo rebanho. A primeira viagem, entre 46 e 48, foi feita em companhia de Barnabé e de Marcos, outro discípulo cristão, o mesmo a quem é atribuído um dos quatro evangelhos. Foram à ilha de Chipre e percorreram a Ásia Menor (veja mapa) antes de retornar a Antióquia. É a partir dessa primeira expedição que Paulo deixa de ser chamado pelo nome judeu Saulo – a mudança é narrada por Lucas no Ato dos Apóstolos, 13:9.

Antes de partir para a segunda viagem, Paulo foi intimado a participar do Concílio Apostólico de Jerusalém, em 49, que reuniu a nata do cristianismo primitivo. Foi um encontro tenso, onde, pela primeira vez, vieram à tona as divergências entre Paulo e o grupo de judeus-cristãos, tendo à frente Pedro e Tiago Menor, líder da comunidade cristã em Jerusalém. A assembléia discutiu assuntos delicados, como a obrigatoriedade da circuncisão para os pagãos convertidos ao cristianismo. A questão era importante e polêmica, pois a circuncisão era encarada como a porta de entrada do judaísmo. Ao aceitá-la, os convertidos assumiam que adotariam integralmente a cultura judaica. Paulo era contra, pois acreditava que o sacramento do batismo era suficiente para a conversão. Em suas pregações, ele encontrava forte resistência dos pagãos, que não entendiam por que deveriam se submeter ao ritual de iniciação judaico para tornar-se cristãos. Depois de acirradas discussões, Paulo saiu vitorioso.

Foi, em parte, por causa dessa liberalização que Paulo arrebanhou um número tão grande de fiéis. Ao final do encontro, Paulo recebeu a alcunha de “apóstolo dos gentios”, em contraposição a Pedro, chamado de “apóstolo dos judeus”.

A segunda jornada missionária começou depois do Concílio de Jerusalém e estendeu-se até 52. O ponto alto dessa jornada foi a pregação na Europa. Pela primeira vez, a palavra de Deus deixava a Ásia e espalhava-se por um novo continente. Paulo visitou várias cidades gregas, fundando importantes núcleos cristãos. “Foi por causa dessa passagem [da Ásia para a Europa] que o cristianismo sobreviveu e se desenvolveu”, argumenta padre Bortolini. Foi também nessa jornada que Paulo escreveu, em 51, a Epístola aos Tessalonicenses, o mais antigo documento do Novo Testamento. Nas cartas paulinas, o trabalho braçal ficava por conta de escribas: Paulo as ditava e as assinava de próprio punho para autenticar o documento. A maioria delas foi escrita em grego, mesma língua usada por Paulo em suas pregações. Esse era o idioma universal, comparável ao que hoje é o inglês.

O apóstolo também se expressava em hebraico, língua da elite judaica, na qual foi escrita a maior parte dos livros do Antigo Testamento, e em aramaico, a língua materna de Jesus e corrente na camadas populares da Palestina. Mesmo sendo poliglota, o apóstolo encontrava dificuldade para se comunicar em suas peregrinações, diante da multiplicidade de línguas e dialetos daquela época. Em muitas ocasiões, recorria a intérpretes.

Em uma de suas cartas, a Epístola aos Gálatas, percebe-se a tensão existente entre Paulo e os 12 apóstolos que conviveram com Cristo. Nela, Paulo afirma que “enfrentou abertamente [Pedro, em Antióquia], porque ele se tornara digno de censura”. O motivo da briga foram dois preceitos alimentares judaicos. Pedro defendia que os neocristãos não poderiam sentar-se à mesa com gentios – seus iguais até pouco antes. Deveriam também rejeitar sobras de carnes de animais sacrificados aos deuses pagãos. Paulo discordava e teve uma acirrada discussão com Pedro.

Na terceira viagem missionária, de 53 a 57, Paulo deteve-se por três anos em Éfeso, a capital da Ásia Menor. Lá, presume-se, esteve preso por alguns meses – ao longo de sua vida, o apóstolo deve ter permanecido quatro anos atrás das grades. Durante essa jornada, coletou dinheiro para os cristãos pobres de Jerusalém. No retorno à Terra Santa, não se sabe como foi recebido por Tiago, chefe da igreja de Jerusalém. Nem Lucas nem Paulo deixam claro se ele aceitou o dinheiro “impuro” da coleta. Sabe-se apenas que foi na volta a Jerusalém que Paulo foi preso, na praça do Templo, sob a acusação de introduzir gentios na sinagoga. Os judeus estavam furiosos com a presença do pregador na cidade e, temendo por sua segurança, o tribuno romano Cláudio Lísias o encarcerou de novo. Dessa vez, foi em Cesaréia, perto de Jerusalém, onde amargou dois anos de reclusão. Eis que ele pediu para ser julgado em Roma pelo imperador – direito conferido aos cidadãos romanos.

No outono de 60, o apóstolo foi enviado à capital imperial, uma cidade com quase 1 milhão de moradores. Paulo foi saudado pela comunidade cristã e permaneceu em prisão domiciliar, vigiada por soldados. Encontrava-se com as pessoas, mas não podia sair de casa. Aproveitou esse período para transmitir a palavra de Deus. Depois de dois anos de cativeiro, seu processo foi encerrado sem uma sentença condenatória.

Pouco se sabe a respeito dos anos seguintes da vida de Paulo, já que o Novo Testamento não dá indicações do que aconteceu com ele após a prisão em Roma. Mas, segundo a tradição, acredita-se que tenha empreendido uma viagem à Espanha ou visitado as igrejas cristãs que fundara na Grécia e Ásia Menor e retornado a Roma na primavera de 67. O império era chefiado por Nero, que anos antes havia ateado fogo na cidade e jogara a culpa pelo desastre nos seguidores de Jesus. Por isso, os cristãos eram duramente perseguidos e tinham que se reunir em catacumbas para escapar da fúria insana do imperador. Quando capturados, viravam presa para as feras do Coliseu. Ao deparar com essa situação, Paulo empenhou-se em reconstruir a comunidade. Não tardou e foi preso, acusado de chefiar a seita dos nazarenos.

Na prisão, escreveu sua derradeira carta ao discípulo Timóteo, um dos líderes da igreja de Éfeso. Ele sabia que não escaparia da morte. No outono daquele ano, foi levado pelos guardas para fora da cidade e degolado. No local de seu martírio foi construída a praça Tre Fontane e perto dali, junto ao seu túmulo, erguida a basílica de São Paulo Extramuros. Diz a lenda que, no momento de sua execução, uma cega de nome Petronila aproximou-se do apóstolo e lhe ofereceu um véu para cobrir-lhe o rosto. Paulo teria devolvido o véu à mulher e, quando ela o colocou sobre os seus próprios olhos, recobrou milagrosamente a visão. A conversão de Paulo é comemorada no dia 25 de janeiro. Foi uma escolha aleatória, já que não se sabe o dia exato de sua conversão.



Crucificação de Paulo


Como a cidade de São Paulo foi fundada nesse dia, acabou recebendo o nome do santo. A festa de São Paulo é celebrada em 29 de junho, junto com a de São Pedro. Foi uma forma encontrada pela Igreja para homenagear, de uma só vez, os dois líderes máximos do cristianismo primitivo.

Cristianismo ou paulinismo?

As 13 cartas escritas por São Paulo sintetizam o pensamento do apóstolo, que viria a moldar a doutrina cristã. Elas foram redigidas entre os anos 50 e 60 e são os mais antigos documentos da história do cristianismo – os quatro evangelhos canônicos de Mateus, Marcos, Lucas e João ficaram prontos apenas entre os anos 70 e 100. A influência do apóstolo na consolidação da doutrina cristã pode ser medida pelo fato de suas epístolas representarem quase metade dos 27 livros do Novo Testamento. Com elas, dizem os estudiosos, Paulo não tinha a pretensão de formular tratados teológicos. “Elas são resultado de experiências vivenciadas pelas comunidades paulinas”, afirma o André Chevitarese. Uma corrente de biblistas defende que nem todas foram de fato escritas por Paulo – algumas teriam sido redigidas por seus discípulos após a morte do apóstolo. “Elas são muito diferentes em estilo literário e conteúdo”, afirma Pedro Vasconcellos, da PUC. Para a Igreja, no entanto, todas as cartas são de autoria de Paulo.

Se são uma rica fonte de difusão da doutrina cristã, esses documentos são também a principal causa da controvérsia sobre o apóstolo. Na opinião de Fernando Travi, líder da Igreja Essênia Brasileira, a descoberta, no século passado, de escrituras datadas dos primeiros anos do cristianismo, como os Manuscritos do Mar Morto, o Evangelho dos 12 Santos (ou da Vida Perfeita) e o Evangelho Essênio da Paz, indica que boa parte do conteúdo das cartas de Paulo está em oposição aos ensinamentos de Jesus (leia quadro na pág. 64). “Existem sérios indícios de que, como num plano de sabotagem, Paulo divulgou uma doutrina falsificada em nome do messias”, diz ele. Opinião parecida tem o pastor batista americano Edgar Jones, autor do livro Paulo: O Estranho. “Jesus de Nazaré deve ser cuidadosamente diferenciado do Jesus de Paulo. Gerações e séculos passaram até que a corrente paulina com seu forte apelo em favor do Império Romano ganhasse ascendência sobre a corrente apostólica”, diz o teólogo.

O fato é que, até o século 4, o cristianismo dividia-se em duas correntes distintas, uma liderada pelos discípulos de Paulo e outra pelos seguidores dos apóstolos de Cristo. Quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, a corrente paulina saiu-se vitoriosa. “As idéias de Paulo, afáveis aos dominadores, foram definitivamente incorporadas à doutrina cristã”, diz Fernando.

Para os críticos de Paulo, um exemplo dessa “afabilidade” está presente na Epístola aos Romanos. “Cada um se submeta às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. Aquele que se revolta contra a autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus”, escreve Paulo. E continua: “É também por isso que pagais impostos, pois os que governam são servidores de Deus”. “Essa passagem revela que ele estava a serviço das autoridades romanas. Jesus, por sua vez, se insurgia contra as leis de Estado”, afirma Fernando. Para os defensores de Paulo, esse texto foi tirado de seu contexto e tornou-se, ao longo dos séculos, uma teoria metafísica do Estado. “O texto só tinha valor para quem vivia em Roma, onde qualquer movimento de desobediência seria esmagado”, diz o teólogo Pedro Vasconcellos.

Para outros teóricos, deve-se diferenciar a doutrina religiosa paulina das opinões do apóstolo sobre a ordem social. “A teoria de Igreja de Paulo é fundamentada no antiautoritarismo, o que influenciou muito a doutrina protestante. Na sua igreja, a idéia de liberdade é plena, mas quando ela é extrapolada para o meio social, surge o seu conservadorismo”, diz o pastor luterano Milton Schwantes, professor da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em literatura bíblica. O sacerdote franciscano Jacir de Freitas Faria, mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico (PIB), de Roma, comunga da mesma opinião: “Paulo é uma figura basilar do cristianismo, mas não podemos deixar de ser críticos a ele nessa relação com o Império Romano”.

Outro ponto controverso das epístolas paulinas refere-se à defesa que seu autor faz da escravidão. Na Epístola aos Efésios, Paulo é taxativo: “Servos, odedecei, com temor e tremor, em simplicidade de coração, a vossos senhores nesta vida, como a Cristo”. Para os antipaulinos, o apoio dado pelo apóstolo à escravidão tem sido usado pela Igreja ao longo dos séculos para legitimar situações espúrias de dominação e diverge radicalmente da palavra de Cristo, que pregava um mundo livre de opressões. A corrente pró-paulina argumenta, mais uma vez, que é preciso analisar o contexto histórico para entender seus escritos: “Sua falha em condenar a escravidão torna-se compreensível quando sabemos que cerca de 60% da população de qualquer cidade grande daquele tempo era formada por escravos. Toda economia estava estruturada em torno desse fato e, por isso, uma atitude crítica seria incompreensível”, afirma o biblicista Jerome Murphy-O’Connor, de Jerusalém.

O apóstolo dos pagãos também é bombardeado por suas posições a respeito das mulheres. Na carta endereçada à comunidade cristã de Colosso, ele escreve: “Quanto às mulheres, que elas tenham roupas decentes, se enfeitem com pudor e modéstia. (...) Durante a instrução, a mulher conserve o silêncio, com toda submissão. Não permito que a mulher ensine, ou domine o homem”. Suas palavras atraem até hoje a ira das feministas, que o acusam de misoginia. Seus defensores, por outro lado, argumentam que , ao contrário, ele incentivava a participação das mulheres na vida social. “Paulo acreditou firmemente na igualdade entre os sexos e, em suas igrejas, as mulheres exerciam todos os ministérios. Alguns exegetas munidos de preconceito interpretaram erroneamente os textos paulinos”, diz Murphy-O’Connor.

Outro petardo disparado pelos críticos diz respeito à doutrina da salvação defendida por Paulo. “Paulo diz que os pecados são perdoados se a pessoa acreditar que Jesus morreu na cruz por ela. É a doutrina da salvação em que o herói derrama seu sangue e todos são perdoados por causa dele. Enquanto isso, Jesus diz: ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’. Para Jesus, a salvação será dada àqueles que seguirem seus ensinamentos”, afirma Fernando Travi. Os defensores de Paulo discordam e afirmam que o apóstolo foi mais uma vez mal interpretado.

“Creio que houve uma transformação conservadora da mensagem de Paulo. Temos que libertá-lo das idéias errôneas a seu respeito perpetuadas ao longo dos séculos”, diz Pedro Vasconcellos, da PUC.

Conservador ou radical, fiel ou não a Jesus Cristo, São Paulo foi, sem dúvida, um dos poucos evangelizadores – se não o único – a fazer o cristianismo passar da cultura semita à greco-romana, possibilitando que ela se tornasse uma religião mundial. “Ele criou condições para que povos não-judaicos, ao receberem a mensagem de Deus, fossem inseridos de forma igualitária na comunidade cristã”, afirma o André Chevitarese, da UFRJ. Sem Paulo, considerado por muitos o pai do cristianismo, a história da humanidade teria tomado outro rumo. A Idade Média, marcada pela força da Igreja Católica, ocorreria de outra forma e o mundo em que vivemos seria totalmente diferente. Nada seria como é.

Fontes:

Silvia Letícia Carrijo de Azevedo Sá - Bacharel em Teologia

http://www.artigonal.com/casa-e-familia-artigos/paulo-de-tarso-um-exemplo-a-ser-seguido-975229.html;

Yuri Vasconcelos

http://super.abril.com.br/religiao/homem-inventou-cristo-444263.shtml

Para saber mais

Na livraria

Paulo – Biografia Crítica, Jerome Murphy-O·Connor, Edições Loyola, 1996

Introdução a Paulo e suas Cartas, José Bortolini, Paulus, 2001

Paulo Apóstolo: Um Trabalhador que Anuncia o Evangelho, Carlos Mesters, Paulus, 2002

Libertando Paulo: A Justiça de Deus e a Política do Apóstolo, Neil Elliott, Paulus, 1998

Na internet

Paul – The Stranger (livro eletrônico de Edgar Jones sobre a vida de Paulo)

Imagens: http://www.youtube.com/watch?v=3lk0lpaSOLI&feature=related (Espanhol)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O leitor e a bibliotecária

Ronaldo Correia de Brito


Crato - Ceará

Na cidade do Crato, no Ceará, onde vivi parte da infância e adolescência, havia uma biblioteca municipal. Ou seria diocesana? Também não sei aonde foi parar o acervo que marcou tão profundamente minha meninice pobre de livros. O prédio da biblioteca não existe mais; no local funcionam um bar e lojas de bugigangas. Embora o acervo literário fosse deplorável, quase todo formado por livros católicos mal impressos e muito velhos, acho que a troca de uma biblioteca por um comércio nunca é feliz. Já existem bares em excesso nas cidades brasileiras.

Imagino que sou a única pessoa do mundo que leu a coleção Grandes Romances do Cristianismo, de que fazem parte títulos como Perseguidores e Mártires, Quo Vadis?, Otávio, Papai Falot, Ben-Hur, Os últimos dias de Pompéia, Os noivos e por aí afora. Na falta de livros melhores, eu mergulhava nessas narrativas lacrimosas, escritas para arrebanhar os espíritos rebeldes, transformando-os em almas piedosas. Afora esses livros exemplares, havia a biblioteca de um primo, com a melhor literatura universal: só que todos eles estavam parcialmente devorados pelos cupins e pelas traças. Dessa maneira, minha formação ficou cheia de hiatos. Nela, faltam muitas páginas, capítulos inteiros, começos, meios e fins.









Não sei por arte de que nigromante (aquele que invoca os mortos) os insetos não comeram uma única página, uma lombada sequer, nem mesmo o parágrafo mais insignificante das obras completas de Machado de Assis, José de Alencar e das crônicas de Humberto de Campos. Dessa forma, até os quinze anos eu já lera todos esses respeitáveis senhores, de cabo a rabo, tão bem lido que nunca mais voltei a eles. Minto: jamais consegui atravessar Guerra dos Mascates, do meu conterrâneo cearense, e sempre releio os contos de Machado. Humberto de Campos, confirmando a transitoriedade do sucesso, anda esquecido. Ninguém lembra que ele foi o autor brasileiro mais lido há algumas décadas, um fenômeno nacional parecido com Paulo Coelho. Sem a auto-ajuda, claro.


A Biblioteca Municipal era pouco freqüentada e a bibliotecária passava a maior parte do tempo fazendo crochê ou rezando num terço de contas azuis e brancas. Creio que o seu interesse pela leitura não foi além das orelhas e prefácios. Dessa forma, ela construiu um conhecimento de superfície sobre o pequeno acervo, quase sempre doado, o que me leva a supor que se tratava de refugo, aquilo que as pessoas têm em casa e não apreciam. Nunca tive notícia de uma aquisição feita pela prefeitura da cidade, da compra de um pacote de bons livros. Quando completei catorze anos, deixaram que eu tivesse acesso à biblioteca da Faculdade de Filosofia e aí conheci livros melhores.




A bibliotecária pertencia à irmandade das Filhas de Maria, vestia-se de branco no mês de maio e usava uma fita azul no pescoço com uma imagem em prata de Nossa Senhora. Ela sempre me pareceu ingênua, boa e feliz. A necessidade de um emprego colocou-a no lugar de bibliotecária, sem vocação ou preparo para isso. Nossa amizade se deu por eu ser apaixonado pelos livros. A devoção que ela punha nas rezas eu colocava nas leituras. Diante de um menino deslumbrado por objetos de que ela cuidava sem maior convicção, sentia-se tocada. E era sincera quando me apresentava um título que acabara de chegar, uma nova doação. Esse é bom, dizia sem haver lido. Esperando que eu retornasse para a devolução com um resumo da obra e comentários que respeitavam sua fé católica.


Talvez um bibliotecário de grande erudição, culto e arrogante, tivesse me inibido. A bibliotecária modesta, com seu fetiche pelos objetos livros e sua admiração pelo menino leitor, me seduziu para a leitura. Ela me olhava invejosa e seus olhos confessavam: Ah, se eu tivesse coragem de atravessar esses dramas! Mas sua formação católica, de um catolicismo popular e singelo, reprimia vôos e fantasias, mesmo em romances que pareciam inventados por sugestão de Roma.
Quase todas as vezes em que voltava ao Crato, passava em frente à casa da bibliotecária. Nossa conversa não se mantinha por mais de dez minutos. Eu temia que a qualquer momento ela sacasse a sugestão de um novo romance. Mas o catolicismo anda em baixa e livros edificantes de escritores como Paulo Coelho tendem para o ecumenismo e o paganismo. A bibliotecária já não possui biblioteca, nem leitores a quem cativar.



Ela sabia que o menino curioso se tornara médico e escritor. Talvez desejasse ouvir um agradecimento que só agora faço: obrigado pelos livros que você me colocou nas mãos. Por mais estranhos que eles me pareçam hoje, contribuíram para me fazer leitor. Tomara que os santos em que você acredita lhe dêem no céu uma pequena biblioteca, com livros que você poderá nunca ler, mas com certeza amará, abaixo de Deus.


Ronaldo Correia de Brito nasceu em Saboeiro no Ceará e mora em Recife. É médico formado pela Universidade Federal de Pernambuco. Desenvolveu pesquisas e escreveu diversos textos sobre literatura oral e brinquedos de tradição popular, além de ter sido escritor residente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, no ano de 2007. Escreveu os livros de contos As Noites e os Dias (1997), editado pela Bagaço, Faca (2003), Livro dos Homens (2005), e a novela infanto-juvenil O Pavão Misterioso (2004), todos publicados pela Cosac Naify. Dramaturgo, é autor das peças Baile do Menino Deus, Bandeira de São João, Arlequim, e o romance Galiléia pela Alfaguara. Escreveu durante sete anos para a coluna Entremez, da revista Continente Multicultural, e atualmente assina uma coluna semanal na revista Terra Magazine.




Fonte: Terra Magazine
Imagens: Internet

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Tiradentes - "Herói sem medo de todo um povo".
Ir. Jair de Almeida Gomes


O NASCIMENTO

Joaquim José da Silva Xavier nasceu na fazenda do Pombal, comarca do Rio das Mortes, próximo a Vila de são José Del Rei. (Atual Tiradentes) no ano de 1746, não se sabendo, porém o dia de seu nascimento. Era o quarto filho de Domingos da Silva Santos, Português e de Dona Antônia da Encarnação Xavier, e seus irmãos eram: Domingos, Antonio e José, e as irmãs eram Antonia Rita, Maria Vitória, e Eufrásia Maria. Tiradentes foi batizado no dia 12 de novembro de 1746, tendo sido seu padrinho o Dentista Sebastião Ferreira Leitão e como madrinha Nossa Senhora da Ajuda.


Ruínas da fazenda do Pombal, local em que nasceu Tiradentes


INFÂNCIA E JUVENTUDE

Tiradentes foi criado e passou parte de sua infância na fazenda de seu pai, sendo que aos nove anos de idade, morre sua mãe, e aos doze morre seu pai. A família se desfez. Tiradentes foi morar na casa de seu Padrinho, o dentista Sebastião Ferreira Leitão, que procurou interessá-lo por sua profissão, incentivando-o a ler livros de medicina e ensinando-lhe noções práticas de cirurgia e odontologia. Bem cedo começou a ajudar o padrinho no trabalho. Fazia curativos e logo aprendeu a tirar dentes e substitui-los por dentaduras e dentes postiços, ficando assim conhecido na Vila de São José Del Rei como o Tiradentes. Trabalhou também como tropeiro e mascate, caminhando pelos garimpos de Minas e fazendo viagens ate a Bahia. Depois tentou a sorte na atividade mineradora, ocasião em que comprou uma pequena porção de terras e quatro escravos, aplicando o que economizou como dentista, porém não deu certo esta sua tentativa, deixando-lhe apenas muitas dívidas.

O MILITAR


Em 1º de Dezembro de 1775 ingressou na carreira militar e alistou-se na 6º Cia. de Dragões da Capitania de Minas Gerais, e por ser descendente de portugueses cristãos, teve o privilégio de ingressar nas armas já como oficial, sem passar pelos postos subalternos. Tornou-se Alferes, posto este correspondente ao de 2º tenente. Recebeu missões perigosas, que cumpriu com eficiência, devido ao seu conhecimento do sertão. À frente do destacamento acabou com o banditismo na serra da Mantiqueira e combateu os contrabandistas de ouro. Comandou a guarda dos armamentos depositados no quartel de Vila Rica. Em 1781, foi nomeado pela rainha de Portugal para chefiar a patrulha do Caminho Novo, estrada que ligava Minas ao Rio de Janeiro, por onde seguiam as Tropas de Mulas trazendo o ouro para ser embarcado no porto do Rio de Janeiro. Nessa fase de sua vida, Tiradentes fez amizades em todas as vendas e hospedarias da estrada, onde ficou muito popular. Também nessa mesma época Tiradentes, já aos 35 anos, namorou uma jovem de quem gostou muito, de nome Ana, que morava no Tijuco (atual Diamantina) e era sobrinha do Padre Rolim, seu amigo e, mais tarde, também membro da Conjuração Mineira. Quando Tiradentes pediu-a em casamento, através do Padre, ficou sabendo que ela já estava prometida a outro.Tiradentes nunca se casou. Continuava só, porem duas outras mulheres haviam passado em sua vida; ambas de nobre condição social. A primeira, uma mulata, Eugênia Joaquina da Silva, de quem Tiradentes teve um filho de nome João. A outra uma viúva, Antônia Maria do Espírito Santo, vivia nos arredores de Vila Rica (atual Ouro Preto), e também lhe deu uma criança, uma menina de nome Joaquina.No ano de 1787, cansado da vida militar, Tiradentes pediu licença no regimento, e foi para o Rio de Janeiro, onde apresentou ao vice-rei Dom Luiz de Vasconcelos alguns projetos de engenharia e hidráulica, para a canalização e captação dos rios Catete e Maracanã, para abastecimento da cidade e edificação de moinhos; e construção de armazéns para o gado a ser exportado. Seus projetos porém ficaram aguardando a aprovação das autoridades de Portugal, e nunca foram executados. Enquanto permanecia no Rio de Janeiro, reuniu-se com o estudante José Álvares Maciel, que acabava de chegar da Inglaterra, com o Padre Rolim e com o Coronel Joaquim Silvério dos Reis, e juntos elaboraram os primeiros planos da revolta contra Portugal. Terminada sua licença Militar, Tiradentes, em Agosto de 1788, volta a Minas comandando a escolta da mulher do Visconde de Barbacena, novo Governador de Minas.



"Liberdade ainda que tardia"

Em Vila Rica se tornou o principal articulador da conspiração para a libertação do país. Organizou um grupo do qual faziam parte pessoas de grande projeção na capitania. Era ao mesmo tempo, um idealista e um espírito prático. Não hesitava em fantasiar os fatos para atingir seus objetivos. Inventou, por exemplo, que o novo governador trazia instruções para que as fortunas particulares em Minas, não ultrapassassem dez mil cruzados. Garantiu a todos o apoio de potências estrangeiras à conjuração.Em fins de 1788, aconteceu a primeira reunião dos conspiradores na casa do Tenente-Coronel Paula Freire. A ele se unira o Padre Carlos Correia de Toledo, vigário de São João Del Rei, homem rico e influente, e a conspiração foi crescendo com a participação do Cônego Luiz Vieira da Silva, do Padre Rolim, Tomás Antonio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto e outros que no decorrer do tempo se juntaram aos primeiros.

A INICIAÇÃO DE TIRADENTES



Símbolos da Maçonaria: compasso, esquadro e a letra G. Compasso - espiritualidade e conhecimento humano, esquadro-retidão e a letra G é o símbolo de Deus, o Divino Geômetra.

Naquela época a maçonaria permitia que se fizesse iniciações fora dos templos e às vezes por um irmão com autoridade, o que era denominado de: Iniciação por Comunicação. E assim José Álvares Maciel iniciou Joaquim Jose da Silva Xavier, sendo que este tipo de iniciação foi suprimido em 1907, com a promulgação da constituição.O Coronel Francisco de Paula Freire, não gostava do Alferes Tiradentes, com o qual mantinha fria distância. Esse tratamento mudou completamente quando Tiradentes de volta do Rio de Janeiro, participou-lhe que havia si do iniciado nos mistérios da Maçonaria.

A DELAÇÃO


0s planos foram traçados, na ocasião da derrama, Tiradentes depois de prender o governador, despertaria Vila Rica aos gritos de Liberdade. A pretexto de restaurar a ordem, Paula Freire e suas tropas ocupariam a cidade e, com Vila Rica sob controle, declararia sua Adesão à Inconfidência. Tiradentes resolve passar em todos os conjurados e verificar se cada um estava cônscio de sua responsabilidade, obtendo um sim de cada um deles e em Março de 1789, segue para o Rio com desculpa de ver como iam os seus requerimentos de obras públicas, porém sua verdadeira missão era conseguir o "apoio da guarnição do Rio de Janeiro e durante sua viagem ia divulgando suas idéias, sem maiores cautelas, pelas hospedarias e vilas do Caminho Novo e durante sua viagem a conspiração foi denunciada em uma carta dirigida ao Governador Visconde de Barbacena e assinado pelo traidor Joaquim Silvério dos Reis do seguinte teor:

“Existe um movimento contra a Coroa e automaticamente contra V. Excia. no sentido de derruba-lo por ocasião da derrama e em seguida sublevar o povo e a tropa, para logo após, partirem com adesão do povo de outras províncias, para uma louca independência. Para isso contam com as maiores inteligências desta terra e pessoas de destaque do vosso governo, tendo como principal chefe o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, um dos mais inflamados oradores, acompanhado de perto por homens com ideais impregnados pelos últimos acontecimentos de independência da América Inglesa. Se V. Excia. der crédito a esta missiva, gostaria de ser chamado sigilosamente ao vosso gabinete, onde declinaria pessoalmente o nome de todos os que tramam contra nossa Augusta e Soberana Rainha. Ponha todos estes importantes participantes na presença de V. Excia. pela obrigação de felicidade, não por meu intento, nem vontade, sejam de ver a ruína de pessoa alguma, o que espero em Deus que, com o bom discurso de V. Excia. há de acontecer tudo e dar as providências, sem a perdição dos vassalos. O prêmio que peço tão somente a v. Excia. é o de rogar-lhe que pelo amor de Deus se não perca ninguém.”

A PRISÃO E MORTE



Todos os inconfidentes foram presos, porém Tiradentes encontrava-se na casa de seu amigo Domingos Fernandes da Cruz, na cidade do Rio de Janeiro, onde no dia 10 de maio de 1789, foi preso e ficou incomunicável cerca, de três anos e nesse período só foi visitado por seu - confessor, o Padre Raimundo Penaforte. No dia 18 de abril de 1792, foi proferida a sentença dos cinco réus padres, e no dia 19, dos demais conjurados. A Tiradentes foi proferida a seguinte sentença:


"Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da capitania de Minas, a que com baraço e pregão, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em lugar mais publico dela, será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quatro Quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve suas infames práticas, e os mais, nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma; Declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo os seus bens aplicados para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica, será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique."



Praça Tiradentes no tempo do império





Igreja da Lampadosa - provável local da execução (Centro do RJ)

No dia 21 de abril de 1792, as 9.00 H, inicia o triste cortejo: À frente uma Cia. de Soldados, depois os frades dizendo orações e em seguida Tiradentes, o laço da forca no pescoço e a ponta da corda segura pelo carrasco, e quase abraçado ao condenado, Frei Penaforte reza com ele. Descalço, com o cabelo todo raspado e sem barba, vestido com uma camisola branca, Tiradentes seguia de Cabeça erguida, porte erecto, e passo firme a marcha para a forca, construída no Lago da Lampadosa (Atual Praça Tiradentes) onde às 11:20 hs Tiradentes foi enforcado. Frei Raimundo Penaforte, o confessor, escreveu o seguinte sobre Tiradentes: "Foi um daqueles indivíduos da espécie humana, que põem em espanto a própria natureza. Entusiasta, empreendedor com o fogo de um D. Quixote, habilidoso com um desinteresse filosófico, afoito e destemido, sem prudência às vezes, em outras temeroso ao cair de uma folha; mas o seu coração era sensível ao bem. A Coroa quisera, com o espetáculo do enforcamento, afirmar o seu domínio sobre a colônia brasileira. Tiradentes tentara, com o sacrifício, salvar os companheiros e abrir ao povo o caminho da emancipação política." Um espírito inquieto, um homem leal, esse Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha TIRADENTES "Herói sem medo de todo um povo”.



Tiradentes não foi o único inconfidente assassinado. Quem matou Cláudio Manuel da Costa?



Sérgio Amaral Silva

Uma farsa que perdurou por mais de dois séculos na história do Brasil acabou de ser desvendada. Em 1789, um dos principais líderes da Inconfidência Mineira, o advogado e poeta Cláudio Manuel da Costa, foi encontrado morto na prisão. Segundo a versão oficial, ele havia se suicidado. Cerca de 20 anos mais tarde, surgiu em Vila Rica (hoje Ouro Preto) alguém que afirmava ter sido um dos médicos que examinaram o corpo. Ele afirmava que o laudo original, de assassinato, havia sido mudado para suicídio a pedido do governador, o visconde de Barbacena. Como essa testemunha era conhecida apenas pelo apelido de Paracatu, o caso foi tratado como lenda por gerações de historiadores, até nossos dias. Depois de pesquisar o assunto por mais de 25 anos, descobri a chave do mistério em um livro de 1911, Igrejas e Irmandades de Ouro Preto, do historiador Joaquim Furtado de Menezes. Ele faz uma referência ao projeto de construir uma capelinha ao lado da casa do cirurgião-mor Caetano José "Paracatu". Tratava-se de Caetano José Cardoso, um dos responsáveis pelo laudo cadavérico de Cláudio. Ou seja, o tal Paracatu existia mesmo.Por que então isso não foi considerado pelos estudiosos? A resposta é simples: como aquele livro não tratava da Inconfidência, não foi usado como fonte. A identificação, confirmada por Paulo Gomes Leite, historiador da PUC de Minas Gerais, restaura a credibilidade da confissão do legista e desmonta a tese do suicídio. A exemplo do jornalista Vladimir Herzog em 1975, Cláudio não se matou, mas foi assassinado. O provável mandante foi o visconde de Barbacena, cujo envolvimento na Inconfidência é pouco conhecido, mas que temia ser incriminado se Cláudio fosse ouvido pelo vice-rei no Rio de Janeiro. Cláudio, como Tiradentes, pode agora ser visto como uma vítima da repressão à Inconfidência.

A vítima

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)Advogado e poeta nascido em Mariana (MG). Foi várias vezes secretário de governo da capitania de Minas Gerais. Por isso o governador achava que ele "sabia demais".

A testemunha
Caetano José "paracatu" (1749-1826)Português, chegou ao Brasil com 22 anos. Seu apelido vinha de trabalhar como médico em Paracatu (MG) e em Vila Rica. Tinha uma biblioteca com mais de 400 volumes, uma das melhores da época.

O acusado

Visconde de Barbacena (1754-1806)Luís Antônio Furtado de Mendonça nasceu em Lisboa. Governou Minas Gerais e era sobrinho do responsável pelo processo contra os inconfidentes, o vice-rei Luís de Vasconcellos.


A Inconfidência Mineira -Movimento foi resposta ao excesso de impostos

Vitor Amorim de Angelo

A Inconfidência Mineira, também chamada de Conjuração Mineira, foi a conspiração de uma pequena elite de Vila Rica - atual Ouro Preto (MG), ocorrida em 1789, contra o domínio português. Desse grupo, fizeram parte intelectuais, religiosos, militares e fazendeiros, dentre os quais estava o alferes Joaquim José da Silva Xavier, sempre lembrado como principal líder do movimento.O motivo principal da Inconfidência foi a questão da derrama. Tratava-se de uma operação fiscal realizada pela Coroa portuguesa para cobrar os impostos atrasados. O chamado quinto, como o próprio nome já indica, correspondia à cobrança de 20% (1/5) sobre a quantidade de ouro extraído anualmente. Quando o quinto não era pago, os valores atrasados iam se acumulando. Então, a Metrópole podia lançar mão da "derrama" para cobrar esses impostos, utilizando-se até mesmo do confisco dos bens dos devedores.Todos os líderes da Inconfidência estavam endividados com o Real Erário Português, motivo pelo qual, segundo especialistas, teriam sido motivados a se envolver na revolta contra a Metrópole. Emblemático, nesse sentido, foi o fato de a eclosão do movimento ter sido agendada justamente para o dia em que se esperava que o governador da Capitania de Minas Gerais, visconde de Barbacena, ordenasse a cobrança da derrama. Esperavam, com isso, ganhar o apoio da população à sua luta anticolonial.
  • Ideias republicanas
Em geral, a Inconfidência Mineira sempre é apresentada como um movimento que, combatendo o domínio português e inspirada nas experiências revolucionárias da França e dos Estados Unidos, defendia a transformação do Brasil numa república. Não raro, associada a essa ideia, está a questão da igualdade social - o que seria uma influência direta dos exemplos das revoluções francesa e norte-americana.Embora os inconfidentes falassem de república, é preciso ter em vista que o significado do termo naquele momento estava associado à sua viabilidade num pequeno território, como Minas Gerais, por exemplo - ou, quando muito, incluindo o Rio de Janeiro e São Paulo. A ideia segundo a qual um movimento surgido em Vila Rica propunha a transformação do Brasil numa república é problemática, até mesmo quando pensamos sob o prisma da nacionalidade.A proposta de criação de vários parlamentos - tida por alguns como prova incontestável de que se tratava de uma revolução republicana nacional - também pode ser questionada pela evidência de que o termo "parlamento", tal como "república", não tinha o mesmo significado que hoje. Isto é, não remetia à ideia das nossas atuais assembleias estaduais (o que poderia sugerir que a Inconfidência propunha parlamentos em diferentes regiões da república nacional que supostamente defendia), mas, sim, à das câmaras municipais. Quando falavam de república, portanto, referiam-se basicamente à Minas.De outro lado, muito se fala da grande recepção que a conhecida obra de *Montesquieu sobre revolução norte-americana teria tido entre os inconfidentes. Alguns, inclusive, possuíam o livro entre as obras de sua biblioteca particular. Mas, ao que tudo indica, o exemplo revolucionário dos Estados Unidos foi tomado em sua dimensão anticolonial, e não igualitarista. Vários líderes inconfidentes eram donos de escravos. E se a república fazia parte de suas propostas, o abolicionismo não.
  • Tiradentes, o mártir
Tão controversa quanto o ideal republicano é a transformação de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em mártir da Inconfidência Mineira. É versão comum na historiografia a ideia segundo a qual Tiradentes teria sido o principal líder do movimento, o que explicaria a decisão da rainha de Portugal, d. Maria I, de manter a pena de morte para Joaquim José da Silva Xavier ao invés de alterá-la, como fez em relação aos demais, para o banimento nas colônias portuguesas na África. De fato, Tiradentes foi o único dentre os inconfidentes a assumir a participação na conspiração. Ato de coragem, sem dúvida, isso acabou encobrindo vários aspectos importantes, que afastam Joaquim José da Silva Xavier da figura de mártir construída no século 19, a partir da recuperação de seu exemplo pelos que defendiam a proclamação da República.Há fortes indícios de que Tiradentes não ocupava senão um lugar marginal, secundário, nas articulações do movimento. Não era, portanto, seu principal líder, o cabeça do grupo. O inventário de seu patrimônio também revela que Tiradentes possuía vestuário e mobílias semelhantes aos utilizados pela aristocracia da época. Sabendo-se que isso era fator importante de distinção social, trata-se de mais um indício que aponta para o fato de que a Inconfidência Mineira, apesar de seu caráter anticolonial, visava construir um Estado independente, que garantisse o controle do espaço político e social aos grupos sociais representados em sua liderança.

*Montesquieu

Charles de Montesquieu foi um importante filósofo, político e escritor francês. Nasceu em 18 de janeiro de 1689, na cidade de Bordeaux (França). É considerado um dos grandes filósofos do iluminismo (Segundo os filósofos iluministas, esta forma de pensamento tinha o propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade).
Em 1715, Montesquieu casou-se com Jeanne Lartigue. Tornou-se membro da Academia de Ciências de Bordeaux e, nesta fase, desenvolveu vários estudos sobre ciências. Porém, após alguns anos nesta vida, cansou-se, vendeu seu título e resolveu viajar pela Europa. Nas viagens começou a observar o funcionamento da sociedade, os costumes e as relações sociais e políticas. Entre as décadas de 1720 e 1740, desenvolveu seus grandes trabalhos sobre política, principalmente, criticando o governo absolutista e propondo um novo modelo de governo.
Em 1729, enquanto estava em viagem pela Inglaterra, foi eleito membro da Royal Society.
Montesquieu morreu em 10 de fevereiro de 1755, na cidade de
Paris.

Fontes:

  • Ir. Jair de Almeida Gomes http://www.pael.com.br/tiradentes.html;
  • Sérgio Amaral Silva;
  • Vitor Amorim de Angelo.
Imagens: Internet

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Gripe espanhola e outras epidemias



Epidemia

Por: Juliana Rocha

Abrigados em trincheiras, os soldados enfrentavam, além de um inimigo sem rosto, chuvas, lama, piolhos e ratos. Eram vitimados por doenças como a tifo e a febre quintana, quando não caíam mortos por tiros e gases venenosos.

Parece bem ruim, não é mesmo? Era. Mas a situação naquela Europa transformada em campo de batalha da Primeira Grande Guerra Mundial pioraria ainda mais em 1918. Tropas inteiras griparam-se, mas as dores de cabeça, a febre e a falta de ar eram muito graves e, em poucos dias, o doente morria incapaz de respirar e com o pulmões cheios de líquido.

Enfermaria improvisada



Em carta descoberta e publicada no British Medical Journal quase 60 anos depois da pandemia de 1918-1919, um médico norte-americano diz que a doença começa como o tipo comum de gripe, mas os doentes “desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada [no hospital], têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado”.



vírus da gripe espanhola

A gripe espanhola – como ficou conhecida devido ao grande número de mortos na Espanha – apareceu em duas ondas diferentes durante 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era uma doença branda não causando mais que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda, em agosto, tornou-se mortal.

Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro: também caíram doentes as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.

O mal chega ao Brasil



No Brasil, a epidemia chegou ao final de setembro de 1918: marinheiros que prestaram serviço militar em Dakar, na costa atlântica da África, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em pouco mais de duas semanas, surgiram casos de gripe em outras cidades do Nordeste, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que era então a capital do país.



Morto pela gripe. Rio de Janeiro. Clube de Engenharia. As autoridades brasileiras ouviram com descaso as notícias vindas de Portugal sobre os sofrimentos provocados pela pandemia de gripe na Europa. Acreditava-se que o oceano impediria a chegada do mal ao país. Mas, com tropas em trânsito por conta da guerra, essa aposta se revelou rapidamente um engano.

Tinha-se medo de sair à rua. Em São Paulo, especialmente, quem tinha condições deixou a cidade, refugiando-se no interior, onde a gripe não tinha aparecido. Diante do desconhecimento de medidas terapêuticas para evitar o contágio ou curar os doentes, as autoridades aconselhavam apenas que se evitasse as aglomerações.

Nos jornais multiplicavam-se receitas: cartas enviadas por leitores recomendavam pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso para evitar o contágio e desinfetar o ar. Com o avanço da pandemia, sal de quinino, remédio usado no tratamento da malária e muito popular na época, passou a ser distribuído à população, mesmo sem qualquer comprovação científica de sua eficiência contra o vírus da gripe.

Clube de Engenharia

Imagine a avenida Rio Branco ou a avenida Paulista sem congestionamentos ou pessoas caminhando pelas calçadas. Pense nos jogos de futebol. Mas, ao invés de estádios cheios, imagine os jogadores exibindo suas habilidades em campo para arquibancadas vazias. Pois, durante a pandemia de 1918, as cidades ficaram exatamente assim: bancos, repartições públicas, teatros, bares e tantos outros estabelecimentos fecharam as portas ou por falta de funcionários ou por falta de clientes.
Pedro Nava, historiador que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918, escreve que “aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades - mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.
Durante a pandemia de 1918, Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, reestruturando sua organização administrativa e de pesquisa. A convite do então presidente da república, Venceslau Brás, Chagas liderou ainda a campanha para combater a gripe espanhola, implementando cinco hospitais emergenciais e 27 postos de atendimento à população em diferentes pontos do Rio de Janeiro.

vítima da gripe espanhola

Estima-se que entre outubro e dezembro de 1918, período oficialmente reconhecido como pandêmico, 65% da população adoeceu. Só no Rio de Janeiro, foram registradas 14.348 mortes. Em São Paulo, outras 2.000 pessoas morreram.


fugindo do contágio

A evolução de um vírus mortal

Tratamento preventivo contra gripe. EUA. NMHM/US. Ainda hoje restam dúvidas sobre onde surgiu e o que fez da gripe de 1918 uma doença tão terrível. Estudos realizados entre as décadas de 1970 e 1990 sugerem que uma nova cepa de vírus influenza surgiu em 1916 e que, por meio de mutações graduais e sucessivas, assumiu sua forma mortal em 1918.

Essa hipótese é corroborada por outro mistério da ciência: um surto de encefalite letárgica, espécie de doença do sono que foi inicialmente associada à gripe, surgido em 1916.

As estimativas do número de mortos em todo o mundo durante a pandemia de gripe em 1918-1919 variam entre 20 e 40 milhões. Para você ter uma ideia nem os combates da primeira ou da segunda Grande Guerra Mundial mataram tanto. Cerca de 9 milhões e 200 mil pessoas morreram nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra (1914-1918). A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) responde pela morte de 15 milhões de combatentes.



Presidente Rodrigues Alves - vítima da gripe espanhola

A mais grave de todas as pandemias foi a Gripe Espanhola, em 1918, que, em estimativas oficiais, matou cerca de 20 milhões de pessoas - extra-oficialmente, acredita-se que tenha sido o dobro desse número. Nessa grande epidemia mundial, cerca de 50% da população foi atingida, sendo que 25% tiveram infecção clínica. Esta pandemia vitimou mais pessoas do que a Primeira Guerra Mundial (1914-1917) , que fez 14,5 milhões de mortos e, encerrada um ano antes, é apontada como a responsável pela propagação do Influenza pelo mundo.
No mundo da medicina, a Gripe Espanhola traz comentários como "o maior holocausto médico já visto". O nome dado à pandemia não se deve ao fato de esta ter se iniciado no país europeu que a denomina, mas por ter sido a Espanha o local que apresentou a epidemia mais tardiamente.
No Brasil, a pandemia teve início em outubro de 1918 e durou apenas algumas semanas, até o final de novembro. Pelo menos 35.000 pessoas foram mortas, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. A vítima brasileira mais ilustre, e tardia, foi o presidente reeleito Rodrigues Alves, que não chegou a assumir o cargo para seu segundo mandato.

O vírus Influenza que causou a pandemia de 1957-58, foi descoberto na China em 1957, alcançou Hong Kong em abril e alastrou-se rapidamente para CIngapura, Taiwan e Japão. Em cerca de seis meses espalhou-se por todo o mundo. Esta epidemia afetou cerca de 40% a 50% das pessoas do globo. Contabilizou-se um total de um milhão de mortos.

O surto da Gripe de Hong Kong também fez cerca de um milhão de mortos e começou na China, em julho de 1968. Espalhou-se para Hong Kong no mesmo mês, de onde foi para o resto do mundo, até alcançar a América do Sul e África em meados de a 1969.

Entre 1918 e 1919 a epidemia de Gripe Espanhola matou mais pessoas do que Hitler, armas nucleares e todos os terroristas da história somados. No Rio de Janeiro, morreram 17 mil pessoas em dois meses. Os familiares, desesperados, jogavam seus mortos na rua com medo de contrair a doença.

A influenza espanhola era mais severa que a gripe comum, mas tinha os mesmos sintomas iniciais como garganta dolorida, dor de cabeça e febre. Mas comumente em muitos pacientes a doença progredia para algo muito pior do que espirros. Calafrios intensos e fatiga vinham acompanhados de fluido nos pulmões. Se a gripe passava do estágio de pequena inconveniência geralmente a pessoa já estava pré-destinada a morrer.

Mesmo hoje não há cura para o vírus Influenza. Tudo o que os médicos podiam fazer na época era deixar seus pacientes o mais confortáveis possível. A cor azulada na pele dos doentes evoluía para marrom ou roxo e seus pés ficavam pretos. Os “sortudos” se afogavam com o fluído nos pulmões. Os outros desenvolviam pneumonia bacteriana e agonizavam de uma infecção secundária. Como os antibióticos ainda não haviam sido inventados essa doença também não podia ser tratada.

Felizmente hoje temos como combater a pneumonia decorrente da gripe suína, o que aumenta muito as chances de sobrevivência à infecção.

As epidemias




Quando Oswaldo Cruz assumiu a direção do Departamento Nacional de Saúde Pública, o Brasil era um país doente. Uma das regiões que mais sofria era o Rio de Janeiro. No final do século XIX, dizia-se que essa cidade poderia vir a ser o maior empório da América do Sul se não fosse uma fábrica de moléstias.

Duas doenças, em especial, tiravam o sono das autoridades e a vida da população: a febre amarela e a varíola.

As moléstias em conferência. Charge do início do século XX. Todas carregam o símbolo da morte, uma foice.

Quando falamos de epidemias na história do Brasil, a primeira a ser lembrada é a febre amarela. Transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti, chegou ao Brasil no século XVII em navios que vinham da África. Os primeiros casos datam de 1685, no Recife, e de 1692, na cidade de Salvador.

Durante o século XVIII, não foram relatados casos dessa doença no Brasil. Ela retornou apenas entre 1849 e 1850, na forma de uma grande epidemia, que atingiu quase todo o país. Uma das cidades mais atacadas foi o Rio de Janeiro.

Esse surto epidêmico obrigou o Império a tomar providências que podem ser consideradas de saúde pública. O governo, por meio de um decreto, tentou limpar as cidades purificando o ar. Mas, mesmo assim, a febre amarela continuou a atacar. Não se imaginava que a causa da doença era um mosquito. Depois de 1850, ela se tornou endêmica no Rio de Janeiro.
O número de vítimas aumentou assustadoramente. Entre 1880 e 1889, foram registrados 9.376 casos
.

Vítimas da gripe espanhola na África

A solução para a febre amarela surgiu apenas no final do século XIX. Até essa época, as teorias sobre a doença eram inúmeras. No Brasil, acreditava-se que o clima, o solo e os ares poderiam ser propícios ao seu surgimento; por isso a idéia de limpar o ar. Foi em Cuba que um cientista descobriu que a febre amarela era transmitida pelo mosquito Aedes aegypti.

Oswaldo Cruz já tinha conhecimento do trabalho desenvolvido em Cuba e, quando iniciou sua luta para acabar com a febre amarela na cidade do Rio de Janeiro, recebeu amplo apoio do presidente Rodrigues Alves, que havia perdido um dos filhos por causa dessa doença.
Esse apoio político foi muito importante para que a ação do sanitarista tivesse resultados, pois, nos meios científicos, muitos médicos não acreditavam que um mosquito era o transmissor da febre amarela.

Para combater a doença e o mosquito, Oswaldo Cruz dividiu a cidade em distritos e organizou as chamadas “brigadas mata–mosquitos”.

As “brigadas” tinham o poder de invadir e isolar qualquer residência suspeita de abrigar focos do mosquito.

As medidas de profilaxia de Oswaldo Cruz tiveram características de uma campanha militar. Os doentes eram isolados, e a cidade ficou sob a constante vigilância das autoridades policiais e sanitárias.

A imposição de normas de higiene e a vigilância sobre a cidade e os hábitos da população caracterizam a prática campanhista autoritária. Na solução do problema da febre amarela, Oswaldo Cruz teve sucesso. Depois, precisou enfrentar a varíola, uma das doenças mais antigas de que se tem notícia. Causada por um vírus, o Orthopoxvirus variolae, ela tirou muitas vidas ao longo da história.



vírus da varíola

Sua presença marcou importantes períodos, como a Idade Média, época em que recebeu inúmeras denominações, como “pequena pústula” e até mesmo o nome usado até hoje, “varíola”.
Pústulas, manchas, cicatrizes: essas eram as principais marcas da varíola. Se a pessoa não morresse em virtude das altas febres, dores e fatiga, poderia ficar cega e com profundas cicatrizes pelo corpo, especialmente no rosto.

Comum na Europa, a varíola chegou ao Brasil junto com os colonizadores e os navios que vinham da África. As primeiras referências da doença datam de 1563, por ocasião de uma epidemia que ocorreu na cidade de Salvador e seus arredores.

Por causa das feridas em forma de bolhas que cobriam o rosto dos doentes, a varíola ficou conhecida popularmente como “mal das bexigas”; e seus doentes, como “bexiguentos”.
Assim como na Europa, a varíola fez muitas vítimas no Brasil. Durante o Período Colonial, a doença periodicamente atacava vilas e alastrava-se pelas fazendas. Contando apenas com curandeiros e pouquíssimos cirurgiões-barbeiros, o que restava à população era rezar e isolar os doentes.

Foi apenas no século XVIII que se vislumbrou o que seria a solução para impedir o avanço da varíola. As pistas foram dadas pelos próprios doentes — as pessoas que conseguiam sobreviver ficavam imunes à moléstia, ou seja, não a contraíam novamente.

Imunização. Essa era a chave que a varíola oferecia em meio aos seus flagelos para se evitarem tantas mortes. E quem percebeu isso não foi um cientista ou médico da época (séc. XVIII), mas uma dama inglesa que havia sobrevivido à terrível doença: lady Mary Montagu. Esposa do embaixador inglês no Oriente, ela observou como os povos orientais faziam para evitar a varíola. Era o começo da primeira vitória do homem sobre uma epidemia.

O que lady Mary percebeu e depois levou para a Europa foi o método de inoculação, que consistia em pegar um pouco de material de dentro das feridas dos enfermos que estavam em convalescença e inseri-lo, através de um pequeno corte, em pessoas sadias, especialmente crianças. Assim, o indivíduo acabava tendo uma forma “branda” de varíola e não ficava mais doente.

A inoculação também ficou conhecida como “variolização” e se tornou moda entre as classes mais abastadas. Tanto reis como burgueses faziam seus filhos serem inoculados para que sobrevivessem a futuras epidemias. Esse método também chegou ao Brasil, de dois modos bem distintos: por intermédio de médicos e cirurgiões-barbeiros e pelos curandeiros africanos. Os primeiros queriam popularizar a prática para tentar diminuir o número de mortes em caso de epidemias, mas não conseguiram. Assim, ao ver um estilete , a maioria dos brasileiros fugia por medo.

Já a variolização feita pelos africanos tinha um caráter ritualístico. Para estes, o mal devia ser combatido com o mal. Ao inocular as pessoas, os curandeiros buscavam o poder do orixá das epidemias, Obaluaiê.

Epidemias nas missões jesuíticas




Na atual fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, ocupada pelas Missões no século XVII, as doenças do branco eram usadas para convencer os indígenas do poder do Deus católico.

por Jean Baptista

- "Padre, padre, um dos nossos está com a cara toda pintada de vermelho”, disse o índio de uma Missão jesuíta tão logo o padre saiu do claustro, ainda pela manhã. O religioso estremeceu: “Fui correndo ver o que era, já pensando na peste”. Corria o século XVII na região onde hoje fica a tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai.Ao chegar à pequena choça indígena, instalada próximo do povoado, ao padre não restaram dúvidas de que se tratava de varíola, doença que lhe rendia profundas preocupações. Ele tinha viva na memória a experiência de surtos anteriores: era preciso reagir rapidamente para tentar salvar o corpo dos índios enfermos, ainda que com baixa chance de vitória.Mas, pensou o cura, também era o momento propício para fazer semear a mística do salvamento pelo Deus único do catolicismo. Ou seja, de aplicar seu apostolado para que os indígenas compreendessem que o Altíssimo ansiava pela alma de cada silvícola, podendo oferecer em troca uma vida longa e saudável.Correspondência, livros de catequese, sermões e outros registros datados dos séculos XVII e XVIII revelam o trabalho dos jesuítas da Província Eclesiástica do Paraguai, atualmente parte do território da Argentina, do Paraguai e do Brasil. Eles tentaram implantar entre os indígenas abrigados nos povoados missionais (Guarani, Jê e Pampianos) noções de pecado, culpa e castigo. E a ação nefasta de doenças epidêmicas teve sua valia nesse esforço catequista.

“Os deuses ameríndios são mais fracos que o Deus verdadeiro” – eis o princípio da argumentação de missionários ativos na América colonial quando o assunto era varíola, sarampo ou gripe, doenças européias contra as quais os indígenas não possuíam defesas biológicas. Assim, os religiosos apresentavam-se aos nativos como representantes de uma vontade divina que, quando contrariada, não se fazia de rogada e enviava enfermidades a uma comunidade.A estratégia religiosa tinha conexões com o que os nativos entendiam por doenças. Eles, de fato, eram inclinados a interpretá-las como manifestações do desgosto dos deuses diante do comportamento da humanidade. Muitas vezes, os silvícolas consideravam os surtos, as epidemias e as doenças individuais como o resultado de um “embruxamento”, vindo de algum indivíduo poderoso.Ao acenar com a chave do controle das epidemias, os missionários se tornavam legítimos feiticeiros entre os indígenas. Tão logo uma epidemia abatia um povoado, uma série de medidas relacionadas à vida e espiritualidade era tomada, para tentar efetivar o processo de conversão dos nativos.A modalidade do “praguejamento missionário” fundamentado em pestes visava, sobretudo, os índios que já haviam recebido a “boa nova” e, mesmo assim, seguiam com uma “vida pagã”. Na perspectiva jesuítica, o preço dessa opção era cobrado, em primeiro lugar, nas matas ao redor dos povoados missionais. Nelas se espalhava uma infinidade de cadáveres e moribundos provenientes de grupos devastados pelos surtos. Mas igualmente órfãos, mulheres e velhos desamparados – potenciais novas “ovelhas” para o rebanho dos padres.

MUSEU DO NOVO MUNDO, LA ROCHELLE



Também nas matas moravam os xamãs, os indivíduos com poderes e funções espirituais entre os grupos sacerdotais dos indígenas. Eles foram descritos na documentação católica da época como diabólicos opositores do projeto missional. Não por acaso, os religiosos diziam que a mata habitada por xamãs era a incubadora das epidemias. A guerra de poder entre padres e os tais “ministros do demônio” era explícita e rendeu relatos pitorescos, como o episódio que envolveu o padre jesuíta Mola, fundador da Missão de San Carlos, no atual território brasileiro.Mola enfrentou um poderoso feiticeiro que se proclamava o “senhor das pestes e das enfermidades”, causa de profundo assombro na comunidade. O feiticeiro, contudo, acabou “provando de seu próprio veneno e caiu doente”. Os índios, então, zombaram dele: como poderia ser o senhor das enfermidades se não conseguiu se defender da epidemia? Já os xamãs que aceitavam a conversão ao catolicismo – de preferência em praça pública – podiam obter a remissão de seus pecados e o perdão do Deus dos brancos. De modo geral, graças ao auxílio pestilento, os missionários conseguiam sobrepujar os adversários na disputa pela liderança espiritual dos nativos. No interior dos povoados, a realidade também era dramática. Apesar das instalações hospitalares, as epidemias afetavam drasticamente os censos anuais. Adultos eram presas fáceis, mas a mortandade atingia mais as crianças das Missões.

Relatos dos missionários explicitam as idéias de então. A salvação física de uma criança, durante epidemias, só se dava mediante intercessão divina – o veículo da bênção poderia ser um elemento da medicina mágica administrada por jesuítas e seus enfermeiros ou, especialmente, a interferência dos santos, capazes de aplacar a cólera divina.Certa feita, um povoado foi quase extinto por uma epidemia. Entre seus habitantes, havia uma menina de 10 anos que costumava ajoelhar-se todos os dias aos pés de uma imagem de Maria, a quem destinava rezas e pedidos. Em outra Missão, dois pequenos irmãos, de 5 e 7 anos, foram vistos caminhando em direção à igreja do povoado, mortificando-se com açoites e implorando a complacência de santa Ana. As três crianças – e outras com vivências semelhantes – teriam se salvado, de acordo com registros dos religiosos. Chamados pelos indígenas de marangatu (os bem-aventurados), os santos se assemelhavam aos heróis xamânicos dotados de poderes de cura. Só que os santos, segundo os padres, cobravam um preço diferente para conceder graças: desejavam humilhações, resignações, missas, confissões, conversões e novenas. Apesar de muitos indígenas terem seguido essas recomendações, a preferência por cantos, danças e oferendas de alimentos era majoritária. De todo modo, os padres ensinavam que os marangatu ofereciam a imunidade por meio de intervenções notáveis. Um bom exemplo eram as supostas aparições de santo Ignácio, fundador da Companhia de Jesus, em tempos de epidemia. O santo costumava “aparecer” aos doentes de um modo aterrador: demonstrando sua irritação com os homens.

Sobre isso, eis o relato de um jesuíta: “O santo apareceu no sonho de um enfermo, ralhou com ele asperamente pelo pecado que havia cometido e deu-lhe bofetadas para que lhe servissem de memória”. A outra pessoa enferma, uma índia com difteria, santo Ignácio também providenciou em sonho uma reprimenda: “Vocês comem de maneira desenfreada tudo o que encontram pela frente! Por isso estão enfermos!”. Palavra do santo...Mesmo opressoras, as intervenções podiam resultar em medidas salutares, algumas capazes de salvar a vida dos que demonstravam alinhamento à moral pregada nas Missões. Assim, a religiosidade ameríndia, que via nos sonhos a possibilidade de encontrar explicações e curas para problemas terrenos, dialogava de perto com percepções ocidentais.A banalização da morte, ilustrada pela existência de covas comuns durante epidemias, no período de 1630 a 1730, deu origem a outro fenômeno: um intenso, criativo e imprevisível debate entre padres e índios sobre o destino dos mortos.Os jesuítas tentavam difundir a sua “geografia do além”, segundo a lógica ocidental, assim como suas idéias sobre as relações entre os vivos e os mortos. Já os nativos trataram de construir um “além-morte” singular. Não raro, relatavam aos jesuítas que, em sonho, haviam estado num inferno habitado por onças, corujas e serpentes. Ou no paraíso, ao lado de resplandecentes anjos de asas vermelhas, em terras de alimento abundante onde se cantava, dançava e se mantinha morfologia social experimentada na vida terrena.Como se vê, o cenário pintado pelos missionários correspondia à tentativa de sobrepujar as percepções da cultura indígena. A lógica deles era objetiva: tempo de epidemia, tempo de dar combate ao diabo, ou seja, de eliminar o que não era cristão. Entretanto, a necessidade de convívio levou jesuítas e sul-ameríndios a dialogar sobre as representações em circulação e a experimentar aproximações e distanciamentos em prol da sobrevivência do projeto missional.Padres e nativos geraram, com isso, uma religiosidade que, ao fim, não era nem jesuítica nem indígena, mas sim um conjunto de crenças relacionadas, aplicável unicamente no solo das incríveis.

Fonte: