* Luíz Horácio Rodrigues
Sêneca
Uma fração do todo é um livro descontraído e pretensioso. Descontraído por se tratar de uma comédia, pretensioso por pretender abarcar mais que uma fração do todo, vai de uma análise profunda da solidão ao exame pormenorizado da vida em sociedade. Consegue ser trágico, irônico e engraçado. Ao mesmo tempo. Na dose exata às pretensões do mercado. Tudo bem visível, tudo na superfície. Sim, é ficção, eu sei. Mas de ficção desse teor o inferno está cheio.
Uma fração do todo é de ruborizar o livro de Murakami, aquele sobre corrida. Steve Toltz mostra que não brinca em serviço, está bem preparado fisicamente. Recomenda-se o mesmo treinamento aos leitores pois estarão a cada página frente a um novo acontecimento. Tal aspecto aliado a características dos personagens, sobretudo Terry, faz de Uma fração do todo um tardio representante da novela picaresca. Imprevisibilidade é outra característica da obra de Toltz, reviravoltas e mortes que mudam o rumo da história. Sim, o leitor jamais sentirá o tédio tentando lhe seduzir, ao mesmo tempo se perguntará: mas pra que tudo isso?
Steve Toltz |
Optei pela morte, pelo medo da morte. Mas precisava tanto para tão pouco?
Não interprete, freudiano leitor, por favor não interprete.Isso não significa que este aprendiz ame livros sonolentos onde pouco acontece, como Becket e o tédio mor de Clarice Lispector.Nada disso. Toltz escreveu um livro para os irmãos Cohen, fique atento cinéfilo leitor. O trágico e o engraçado referido anteriormente, lembra? Lá no começo.
Irmãos Cohen, irmãos Dean. Martin e Terry Dean. Opostos, extremamente opostos.Martin, filósofo pessimista, Terry, líder da “cooperativa democrática do crime. Martin, o taciturno, a ausência de movimento. Terry,o bandido carismático, a inquietação.
A história é narrada por Jasper Dean, filho de Martin. Jasper é o resultado das influências familiares extremamente opostas. Tudo leva a crer, no entanto, que se as influências viessem apenas de seu pai, o resultado não seria muito animador. “Ele me tirou da escola com a intenção de me educar ele próprio e, em vez de me deixar pintar com os dedos, lia para mim as cartas que Van Gogh escreveu para o irmão Theo pouco antes de cortar a própria orelha”.
Jasper Dean
Jasper é praticamente a cobaia de Martin. Cobaia de filósofo existencialista, convenhamos... O garoto sobrevive, assim como outras cobaias sobreviventes, ostentando sequelas.
A orelha de Van Gogh é uma das traduções da obra de Toltz, trata-se de uma fração. Ao final da leitura restará ao leitor a possibilidade de optar por uma fração, escolhi o medo da morte. Você tem várias outras: análise engraçadinha sobre a Australia e os australianos, tratado sobre relações familiares,retorno ao ideal quixotesco,pitadas de Policarpo Quaresma, e pasme, reflexões acerca da solitária atividade intelectual. Repleto de novidades, não?
Van Gogh |
A orelha de Van Gogh é uma das traduções da obra de Toltz, trata-se de uma fração. Ao final da leitura restará ao leitor a possibilidade de optar por uma fração, escolhi o medo da morte. Você tem várias outras: análise engraçadinha sobre a Australia e os australianos, tratado sobre relações familiares,retorno ao ideal quixotesco,pitadas de Policarpo Quaresma, e pasme, reflexões acerca da solitária atividade intelectual. Repleto de novidades, não?
A outra tradução: o inconformismo de Martin. Submeter uma criança ao cansaço dos professores é exigir extrema submissão. Com a palavra Jasper: “...depois de oito meses no jardim de infância, decidiu me tirar de lá, porque o sistema educacional era ‘embrutecedor, emburrecedor, arcaico e materialista’. Eu não sei como alguém pode chamar pintura a dedo de arcaico e materialista”.
Depende, Jasper, depende. Mais uma: o livro traz inúmeros questionamentos, humor, interpretações de inestimável relevância, que beira a auto-ajuda.
Percebeu, exigente leitor, um livro de mil e uma utilidades. Bom proveito.*Luíz Horácio Pinto Rodrigues
Natural de Quaraí, pequeno município gaúcho na fronteira com o Uruguai, é formado em Letras e Mestre na mesma área. Viveu sua juventude na terra natal e em Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em Letras e passou cerca de vinte anos ali, escrevendo e colaborando com páginas literárias de várias publicações. Atualmente reside em Porto Alegre (RS). Sua principal obra é a denominada Trilogia Alada, inaugurada com Perciliana e o pássaro com alma de cão, seguida de Nenhum pássaro no céu, e encerrada agora com Pássaros grandes não cantam.
Fotos: Internet
Um comentário:
Ligia, muito obrigada pelo carinho. Também dei uma "passeada" pelo seu blog e achei-o super inteligente, bem escrito e interessante.
Precisamos de mais coisas assim no nosso mundinho virtual e real.
Mil beijos e fica com Deus!
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