quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Roma: nasce um império

No começo das guerras contra Cartago, Roma não era nada. Cem anos depois, estava controlando o mundo

por Patrícia Pereira


Foi o reino de Cartago quem transformou Roma em uma grande potência. Quando as duas cidades entraram em guerra pela primeira vez, Roma era um vilarejo metido a besta, que tinha acabado de dominar o resto da Itália e ainda estava formando um exército. Cartago era o centro do mundo. Seus navios controlavam o Mar Mediterrâneo, que era o único pedaço de oceano que realmente importava na época. Cem anos depois, quando o terceiro conflito acabou, Cartago tinha sido destruída, enquanto Roma estava pronta para conquistar o planeta.


Para entender essa história, precisamos voltar ao ano 264 a.C.. Fundada por fenícios na atual Tunísia, no norte da África, Cartago ia muito bem até Roma começar a crescer. O primeiro choque entre as duas cidades aconteceu numa disputa pelo controle da Sicília, que deu início à Primeira Guerra Púnica (o nome esquisito vem de punici, ou “fenícios”, como os romanos se referiam aos cartagineses). As primeiras lutas foram em terra, com a vitória de Roma. Os romanos passaram a dominar quase toda a Sicília, mas Cartago ainda controlava o mar. Vieram então as batalhas marítimas, vencidas novamente pelos romanos.




Disposta a acabar de vez com a guerra, Roma enviou um forte exército direto para a África em 256 a.C. Quase venceu, mas no final Régulo acabou tendo que recuar. Em 247 a.C., Amílcar Barca assumiu o comando das forças de Cartago e atacou cidades ao sul da Itália. Roma reagiu e conseguiu recuperar quase todas as posições na Sicília e assumir a supremacia do Mediterrâneo. Cartago só teve uma alternativa: assinar um tratado de paz. Mas o filho de Amílcar não esqueceria essa humilhação.


Hierarquia romana


Efeito surpresa


Cartago

Depois da derrota, Cartago ocupou Espanha e Portugal disposta a se recuperar para voltar para a briga. A missão na Espanha foi confiada a Amílcar e, no ano 221 a.C., transferida a seu filho, Aníbal Barca. Aníbal começou logo a preparar uma nova guerra. Para penetrar na Itália, o novo líder apelou para o efeito-surpresa: em vez de viajar pelo mar, como qualquer um faria, resolveu invadir a Itália por terra. Acontece que existem os Alpes, uma cordilheira que protege o norte do país. Passar por ali era uma loucura sem tamanho, mas deu certo. Jogando em casa, os romanos só apanharam. Na batalha do lago Trasimeno, Aníbal criou uma armadilha espetacular: escondeu sua tropa em depressões cobertas pela névoa e atacou de surpresa.
Cartagineses


Os romanos refugiaram-se nas montanhas, de onde passaram a fazer uma guerra de desgaste, com ataques a batalhões isolados e a grupos responsáveis pelo suprimento de armas e alimento. Os cartagineses dominavam a região, mas decidiram não avançar até Roma. Esse foi o maior erro de Aníbal: não destruir o império enquanto podia. O problema é que o general de Cartago era um cavalheiro. Naquela época, o reino que perdesse grandes batalhas tinha a obrigação de aceitar a derrota definitiva. Só que Roma era teimosa.
Teimosa mesmo. Além de não pedir trégua, ainda tentou reagir de novo, desta vez na região de Canas. Foi mais uma humilhação: Aníbal organizou as tropas para que o sol que nascia atrás de seus homens atrapalhasse a visão dos inimigos. Fez mais. Agrupou a infantaria mais fraca no meio, com uma poderosa cavalaria ao redor. No começo, os romanos pareciam ganhar fácil. Foi aí que caíram na armadilha de Aníbal: o centro cartaginês recuou, enquanto a cavalaria começou a atacar. Prensados uns contra os outros, os romanos mal conseguiam sacar as espadas. Foi um massacre.

Aníbal
E quem disse que os romanos desistiram? Com muita paciência e força de vontade, eles aproveitaram o cansaço das tropas adversárias para retomar a Sicília e o resto da Itália. Foi aí que entrou em cena o general romano Cipião. Primeiro ele atacou de surpresa a Espanha, onde estavam as bases do inimigo. Depois foi direto para Cartago. Aníbal teve de abandonar a Itália para defender sua terra. Esse lance final da guerra começou em 204 a.C. e terminou dois anos depois, com a batalha de Zamma, a primeira derrota de Aníbal. Então, Roma obrigou Cartago a destruir todos os seus navios de guerra.

Golpe de misericórdia

Mesmo sem marinha nem controle do Mediterrâneo, Cartago começou a se recuperar lentamente. Mas Roma estava de olho. Sem esperar que os africanos pisassem na bola e dessem pretexto para outra guerra, os romanos começaram a Terceira Guerra Púnica. Cartago fechou suas muralhas, construiu armas e resistiu heroicamente durante quatro anos. Depois de lutar casa a casa, sua população percebeu que seria vencida e decidiu atear fogo à cidade. Os romanos tomaram a fortaleza e jogaram sal no chão, para que nada mais fosse cultivado. Os sobreviventes foram vendidos como escravos, e Cartago virou uma pequena província, menor ainda do que Roma era no começo desta história.

Coisas de filme - Roma e Cartago usaram estratégias bem esquisitas


Navios com pranchas

Os barcos dos romanos tinham ganchos que se prendiam nas embarcações inimigas e pranchas de madeira que facilitavam a invasão.

Artilharia pesada

Os cartagineses levavam homens armados nas costas de elefantes, que funcionavam como tanques de guerra. Para o inimigo, era assustador.


Batalha dos cartagineses
Mulheres carecas

Durante a terceira guerra, todas as damas de Cartago rasparam a cabeça e doaram os cabelos, que foram usados como cordas em armas de arremesso.

Para saber mais

• História de Roma, M. Rostovtzeff, Zahar Editores, 1977. Conta a história completa do império romano. Tem 11 páginas dedicadas às Guerras Púnicas



Festa em Roma: os banquetes e as orgias

Banquete costumava acabar em orgia

por Fabiano Onça


Banquetes e orgias (Saturnália)


Quanto maior o império, maiores as festas que a nobreza e os aristocratas ofereciam. O que dizer sobre o Império Romano, um dos maiores de todos os tempos? Tamanho era o gosto deles por jantares luxuosos e festas, que costumavam evoluir para orgias, que alguns políticos resolveram a baixar leis para moderar a farra. Uma delas, a Antia Lex, do século 1, limitava os gastos com essas comemorações e instituía que os magistrados só poderiam jantar fora se fosse na casa de determinadas pessoas. Claro, ninguém obedeceu. Acabou sobrando para o autor, Antius Resto. Segundo o filósofo Macrobius, como todos continuavam com suas orgias, para não contrariar a própria lei ele nunca mais foi visto jantando fora.

Outro bom exemplo da paixão romana pelos banquetes é personificado por Marcus Gavius Apicius. Amante da boa vida, gastava verdadeiras fortunas em seus jantares. Entre suas extravagâncias, adorava língua de flamingo e nunca servia couve – chegou a dizer ao filho do imperador Tibério que era “comida de pobre”.

A melhor forma de demonstrar poder era oferecer jantares - Vai rolar a festa

Culinária romana

Um aristocrata podia medir seu prestígio com o número de jantares e festas ao qual era convidado. Ser convidado para os jantares certos, como os organizados pelo general Lucius Lucullus (110-56 a.C.), também era uma honra. Melhor que isso, só mesmo oferecer o jantar.

Traje a rigor

Trajes romanos

Vestir a toga era um privilégio masculino que escravos ou mulheres não usufruíam. Elas vestiam a stola, vestido de linho recoberto com a palla, um manto. Outras maneiras de elas ostentarem: penteados inusitados e jóias, muitas jóias.

Paladar exótico

Um bom festim chegava a ter sete pratos. Na abertura, peixes, ostras marinadas e pratos exóticos, como línguas de passarinho (uma porção tinha cerca de mil). O prato principal era uma carne. E as sobremesas eram frutas ou tortas feitas à base de geléia e mel.

Sem indigestão

O mais marcante no salão eram os tricliniuns, leitos com encosto para comer e beber – só pobres e escravos comiam sentados. Quem queria realmente esbanjar utilizava pratos de porcelana vindos da China.

Dança erótica

Além da lira, a música era tocada com chitara e tambores vindos do Egito ou castanholas da Espanha. Com ela, a orgia também começava. O cordax, por exemplo, era uma dança grega, altamente erótica, que despertava as paixões.

Prato principal: escravos

Quanto mais escravos, melhor. Eles serviam para trocar os potes de água quente para os convidados limparem as mãos, espantar moscas ou como objeto sexual. Luxo era designar que alguns com uma tocha levassem os convidados para casa.
Cardapius tipicus - Iguarias exóticas constavam do menu de uma típica festa romana






Entradas

• Mariscos e ovos
• Mamas de porco recheadas com ouriços-do-mar salgados
• Pasta de miolos com leite e ovos
• Cogumelos cozidos com molho de peixe gordo apimentado

Pratos principais

• Gamo selvagem assado com molho de cebola, arruda, tâmara de Jericó, uva passa, azeite e mel
• Outras cozidas com molho doce
• Flamingo cozido com tâmaras

Sobremesas

• Fricassê de rosas em pastel
• Tâmaras secas recheadas com nozes e pinhões, cozidas em mel
• Bolos quentes africanos de vinho doce com mel
• Frutas

A infância em Roma, não tão distante de nós

por Pedro Paulo Funari*




Será que os romanos, quando crianças, tinham brinquedos? Só a pergunta já mostra como nossas idéias sobre os romanos costumam ser um tanto exageradas, como se eles quase nem fossem seres humanos. Parece, às vezes, que já nasciam adultos e que todos eram sanguinolentos e brutais. Não é nada disso, naturalmente. Mas é verdade que cada sociedade possui regras de convivência próprias e que podem nos parecer estranhas, embora tenham sua explicação. Como viviam as crianças romanas? Não é fácil responder a essa pergunta, menos ainda no que se refere às classes baixas, cujos vestígios são menos numerosos.

Por isso, vamos ver como era a vida infantil na elite, ou antes mesmo disso, como os romanos programavam a gravidez. Era possível “programar”? Em termos, sim. As mulheres da elite que amamentavam seus filhos o faziam por até três anos, o que retarda a retomada da ovulação. Mas havia métodos mais drásticos, que visavam permitir que a criança já nascida não sofresse a concorrência de um irmão, o que aumentava a chance de sobrevivência. Era permitido o infanticídio e a chamada “exposição da criança”, que nada mais era do que dá-la a alguém ou mesmo criá-la como escrava. Havia dois motivos principais que justificavam essas práticas: que a criança fosse defeituosa ou que o pai não a reconhecesse como seu filho. Os romanos diziam que “a mãe é certa, o pai incerto” e, por isso, cabia ao pai reconhecer o filho como seu. Mas havia meios mais prosaicos de controlar a gravidez, como o bom e velho “coito interrompido”. Segundo fontes antigas, eram as mulheres que controlavam a interrupção (o que mostra que as romanas não eram tão passivas como se pensa).

Casamento romano


O objetivo do casamento era ter filhos e filhos que sobrevivessem, daí, em grande parte, a preocupação com que o intervalo entre eles fosse muito pequeno. A mortalidade infantil era muito alta, como em todas as sociedades até tempos muito recentes, pois apenas a medicina moderna permitiu que morressem menos bebês e mães. Era também muito comum que as crianças perdessem a mãe ou o pai muito cedo, já que a perspectiva de vida dos adultos não era também lá muito alta. Isso significa que as crianças dependiam também de outras pessoas, o que contribuía para que o conceito de “família” fosse diferente do nosso. A família romana não estava restrita a pais e filhos, mas envolvia outros parentes e até escravos libertos. Quando o pai morria, era sua família que se encarregava de cuidar do menino até os 14 anos e da menina até 12 anos.

Nas classes altas, havia tutores que ensinavam as crianças em grego e latim, de modo que eram, desde pequenas, bilíngües. Alguns dizem que, como as amas da elite eram gregas, os romanos expressavam seus sentimentos em grego, na linguagem que haviam aprendido com as amas. Mesmo entre pobres, era essencial aprender os rudimentos da escrita.

Rômulo e Remo - fundadores míticos de Roma



Como era o dia-a-dia de uma criança romana? Bem, tudo depende da classe social. No geral, a educação primária começava aos 6 ou 7 anos de idade. Se fosse rica, teria um tutor. Se pobre, iria a uma escola, na qual havia um só professor, em geral em um aposento no centro da cidade, perto de lojas. Na escola, usavam tabuinhas de cera e canetas (chamadas stylus) para aprender a calcular (com a dificuldade de fazer isso com os algarismos romanos) e decorar poesias. Ao meio-dia, saíam para almoçar e voltavam à tarde. Entre as brincadeiras, a mais comum era o par-ou-ímpar (chamada “par ímpar!”), jogada com nozes ou pedrinhas. Havia também brinquedos como carrinhos puxados a cavalo, bonecos de animais ou bonecas feitas de osso ou pano.

Era uma outra infância, mas as crianças tinham também suas atividades e brincadeiras. Nas paredes da cidade de Pompéia, soterrada e preservada pela erupção do vulcão Vesúvio, no ano 79, ainda encontramos grafites escritos pelos alunos. Um deles nos diz que “se para você dói decorar Cícero, tomará uma pancada do professor”. Outra infância, mas não tão distante de nós.

*Professor de História Antiga da UNICAMP e autor de a vida quotidiana na roma antiga (annablume)

Fonte: Aventuras na História
Imagens: Internet

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