* Luíz Horácio
A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno, de Márcio Seligmann-Silva é cem por cento fiel à idéia de atualidade que Benjamin e Adorno acreditavam. Na capacidade que as idéias tinham de ir ao encontro do seu presente e daí a operar mudanças.
Walter Benjamin
Atualizar, um relâmpago a iluminar, a energizar o ontem e o agora.Tarefa nada simples que raros conseguem cumprir com tanta eficiência e singularidade como esses dois filósofos.
Seligman evita comparações, cabe ao leitor fazê-las. Uma delas diz respeito a divisão do livro, em duas partes desiguais. Ao destinar longo espaço às questões biográficas de Benjamin, deixa de examinar com maior profundidade as obras desse autor, já com Adorno, em número de páginas bem inferior, Seligman dá pouca atenção à biografia e ao citar as obras prioriza a Dialética do Esclarecimento. Vale ressaltar que tanto a vida de um como de outro está intensamente imbricada com a carreira intelectual, impossível separar vida e obra. No entanto a academia consegue. E com que eficácia conseguem separar os autores de suas obras!
Benjamin numa palestra intitulada O Autor como produtor prega uma maneira de apresentar a catástrofe, não como mero efeito estético. Se você, mestre, doutor ou curioso leitor; lembrou de alguma aula do seu curso, você não está delirando, a academia ainda é assim.
Ao alcançar as páginas finais de A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno dobre sua atenção ao ler Novas abordagens para a arte da apresentação da dor, texto primoroso do professor Seligman.
Mas essa questão de destinar mais espaço à vida e obra de Benjamin do que a Adorno, não leve tão a sério, paciente leitor, são picuinhas de resenhista/ensaísta admirador desses autores, o trabalho do professor Márcio Seligmann-Silva, se não apresenta novidades, é de leitura indispensável àqueles que pensam acerca dos valores e dos significados da arte, da cultura, do conhecimento.
Ao apresentar dados biográficos de Walter Benjamin, Seligman destaca o judaísmo peculiar desse filósofo- “Quando eu nasci, meus pais tiveram a idéia que eu pudesse me tornar um escritor. Então seria bom que ninguém notasse imediatamente que eu era um judeu” - sua permanente melancolia, seu suicido na fronteira entre a Espanha e a França, em conseqüência do pavor que a Segunda Guerra Mundial lhe provocava.
A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno proporciona o contato do leitor com alguns conceitos, os que são sempre abordados, da teoria de Walter Benjamin: a teoria da linguagem -“ Palavras são ainda como cavernas entre as quais elas [as crianças] conhecem caminhos com conexões singulares” - a aproximação entre filosofia e literatura, suas idéias acerca do romantismo, sua teoria da história como catástrofe, A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica.
O leitor ficará sabendo das razões de Adorno para dar preferência ao ensaio como forma de expressão de suas idéias. “o modo de o ensaio se apropriar dos conceitos seria comparável ao comportamento de uma pessoa que, encontrando-se num país estrangeiro, se vê obrigada a falar a língua deste, em vez de compô-la escolarmente a partir de certos elementos. Essa pessoa, digamos, vai ler sem dicionário.”
As impressões de Adorno e Benjamin sobre a arte, a tese de Benjamin sobre o cinema - o inconsciente óptico - e suas relações com o conceito freudiano de inconsciente. Adorno teorizou sobre a arte de um modo geral - “como escritura histórica” na medida em que ela é para ele “memória do sofrimento acumulado”. “Mas que seria a arte enquanto historiografia se ela se desembaraçasse da memória do sofrimento acumulado?”
A questionável teoria do sublime merece abordagem primorosa neste A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno. Um dos pontos de sua teoria estética trata de uma obra de arte onde o indivíduo se apresente totalmente abandonado ao sofrimento e à dor.
Em Dialética do esclarecimento Adorno e Horkheimer (coautor) dizem do fim da possibilidade do trágico na era da indústria cultural.No entender de ambos o “indivíduo trágico”, aquele capaz de resistir,deixou de existir. A indústria cultural, por sua vez,se apodera do trágico, o pasteuriza e o reduz aos seus fins: “O destino trágico converte-se na punição justa, na qual a estética burguesa sempre aspirou transformá-lo.”
Seligman faz excepcional introdução à Dialética do esclarecimento, apresenta as idéias do filósofo acerca da indústria cultural -critico ferrenho- seus estudos e vasto conhecimento sobre música, a teoria do sublime, um diálogo harmônico com Benjamin, o inumano, o texto anteriormente citado Novas abordagens para a arte da apresentação da dor.
Adorno e Benjamin são filósofos tão originais e viscerais que alguns de seus textos, num primeiro momento, nos remetem a uma conclusão inevitável: ingenuidade.Isso costuma ocorrer quando nos deparamos com alguém, em qualquer setor de nossas vidas, que acredita em seus conceitos, ama o que faz. Geralmente o reconhecimento da profundidade, da sua relevância, fica para um futuro. Às vezes distante, raras vezes interminável como no caso de Adorno e Benjamin.
Convém ler e refletir mais algumas vezes antes de assinar tal conclusão, a da ingenuidade. Não é necessário longa pesquisa para encontramos “críticos” que fazem do misticismo de Benjamin motivo de chacota. Não é pequeno o número de opositores às idéias de Adorno, principalmente as que dizem respeito ao sentido e ao valor da arte. Mas vale lembrar
George Steiner, professor de Literatura Comparada e crítico de cultura, em No castelo do Barba Azul (1991), numa interlocução com Notes towards the definition of culture (1948), de T. S. Eliot, salientar algumas notas para a redefinição de cultura, diz que isso tem um quê de utopia e demonstra um tom de desencanto metafísico quanto à trajetória cultural do Ocidente, visão essa legitimada por uma decadência espiritual do homem, algo que remontaria ao mito da Queda.
Representantes da Escola de Frankfurt, Benjamin e Adorno me obrigam ao socorro de Steiner que aponta como fator importante no que diz respeito a desumanização do homem teria sido, na primeira metade do século XIX, o desenvolvimento da produção em massa, o sistema da linha de montagem das fábricas, onde as energias dos operários eram desviadas da ação revolucionária e da guerra e encontravam aprovação social, sendo por um tempo arrefecidas, ou talvez acumuladas para extremos de violência posteriores, algo que seria o preço que a civilização precisou pagar pelo abafamento imposto aos instintos humanos centrais e não realizados, e fomentadores, no fim de contas, do que Freud chamou, em O mal-estar na civilização, de desejo de morte.
A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor W. Adorno serve de sofisticado guia para quem quiser investigar, estudar vida e obra desses impressionantes filósofos.
Embora canônicos parecem, infelizmente, rumar ao papel de coadjuvantes, ou melhor, de figurantes no teatro da cultura.
Permita, tolerante leitor, um momento de entusiasmo deste humilde aprendiz: diz respeito a um momento magistral deste trabalho de Márcio Seligmann-Silva, o texto onde ele aborda o livro Passagens, de Walter Benjamin. Esse titulo me fascina, encerra quase toda a teoria benjaminiana, estética, lingüística,histórica,literária, e.... inacabada.
Sepultura de Walter Benjamin
Recomenda-se cautela na leitura tanto de Benjamin como de Adorno, visto que certos radicalismos podem causar sérias dependências. Manter o senso critico sempre alerta é medida extremamente salutar. Refletir não é prerrogativa dos filósofos tão somente, e você sabe disso, questionador leitor.
*Luíz Horácio - Escritor, autor dos romances Perciliana e o pássaro com alma de cão, Nenhum pássaro no céu, Luísa e a barriga da mamãe-infantil, jornalista, professor de Literatura, mestrando em Letras.
Imagens: Internet
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