As confissões do homem invisível corre o sério risco de servir de manual para outras leituras dada a quantidade de referências ali contidas. Este atrevido aprendiz não pretende buscar outras, mas sugere ao leitor um confronto pacífico com Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Invisibilidade e cegueira ,onde se aproximam, onde se afastam. Nos enredos abordados, até que ponto influem na condição humana?A história de Alexandre Plosk tem início quando o protagonista descobre, numa fábrica de espelhos, que sua imagem não afeta mais esse objeto. Daí em diante tudo na vida do personagem leva à confusão e daí a tristeza basta um sopro. É o que acontece quando nos falta coragem para olhar para o fundo do poço escuro de nossa alma. Forçado a mergulhos inevitáveis e geralmente trágicos no seu passado guiado pelo oxigênio da lucidez, perceber que não soube amar. Vem daí o grande combustível para a tristeza e a confusão mental. Até...desaparecer! Então tenta voltar, refazer o caminho para a dor doer menos. Esquece que na ânsia de voltar pode se perder definitivamente. Uma amiga já morta dizia: “ quando decidimos voltar é por que estamos perdidos.”
A relação mal resolvida com Alice, que também se torna invisível e esconde um segredo, dá a entender que certos amores não reclamam soluções, necessitam de solidões. Exigem que permaneçam unidos, na dor. Na aflição da alma. A angústia que faz inventar. Outros homens, outras mulheres, outros dias. E assim a vida ergue seus prédios, seus monumentos, permitindo a possibilidade de que ali naquela próxima esquina venha a encontrar outras dúvidas.Quem sabe, tenha morrido? Alice, o irmão, teria morrido por sua (do protagonista) culpa, ou por acaso.De qualquer sorte, a morte será sempre um retrato. Quem sabe um espelho a refletir a ausência? Nada mais que um instante paralisado da vida dos que restaram. Morte não se resume a dor, tristeza, é falta de costume.

O protagonista não guarda saudades, alimenta a amargura fruto da incerteza; não sente vontade de saber de ninguém, o passado é um ladrão egoísta que lhe deu às costas. Também não chega a ser daqueles tipos sorumbáticos que perambulam por aí sob o peso das cicatrizes do sofrimento.
Assim como para Alice, também para ele o que conferia um significado especial à vida não era o visível mas sim o sentido. Nunca conseguiriam a união.
E por falar em espelhos ,sua incansável apropriação pela literatura e a anteriormente citada quantidade de referências me obrigo a pensar na indigência intelectual que grassa em nosso país, a começar pelo bizarro presidente que supostamente nos comanda, e uma questão se impõem. O potencial criativo do escritor e o interpretativo do leitor. Até que ponto a formação, a intensidade e sutileza interpretativa, bem como a complexidade estética de ambos deve ter mais ou menos extensão semelhante? Do contrário a arte, no caso a literária, pode virar enigma, ou então refletir o território bizarro onde um Tarso ou um Genro ditará as regras. Creio que aí se justifique a presença da crítica, com uma atuação isenta que ajude a ordenar as emoções. Nunca esquecendo que a critica é plenamente dispensável, a obra de arte não precisa dela para existir, a obra de arte permite inferir uma realidade criadora e um leitor que se relaciona com ela também de maneira criativa.
As confissões do homem invisível é uma arriscada investida do autor, homem de cinema, pelas veredas literárias. Se atualmente o que mais se vê é autor escrevendo na expectativa de adaptação para o cinema, Alexandre Plosk parece fazer o caminho inverso. As confissões do homem invisível não é um romance linear, muda o tempo, muda o narrador, muda o cenário,e se o roteirista foi por demais criativo, ao montador faltou talento e expôs o leitor/espectador a uma enxurrada de informações e caso não disponha dos coletes salva vidas nas cores, filosofia, cinema, literatura, mais precisamente Kafka, Lewis Carol, Joyce, na certa entregará os pontos e deixará se hipnotizar por Morfeu.
Fica um travo de trabalho acadêmico com orientador preguiçoso; várias possibilidades e nenhuma aproveitada em sua totalidade . Uma pena, pois Alexandre abriu várias frentes, todas riquíssimas, não precisava abarcar todas, a história principal não carece de tamanho labirinto. Ficou parecido com a série de TV, O homem invisível. O lúdico superou o literário. Importante ressaltar que aqui nesse espaço tratamos de literatura, as virtudes cinematográficas, se por ventura existirem, serão sempre secundárias. Não entendo como mérito dizer que o livro A é bom porque daria um bom filme, no universo precário deste aprendiz o livro é bom ou tem qualidades porque é bom ou tem qualidades como livro. E basta. Do mesmo modo que um livro ruim nas mãos de um grande realizador pode resultar num grande filme. O que não podemos fazer durante a análise de um livro é projetarmos seu futuro numa outra forma de expressão. Pretensão descabida. Feita a observação mais que necessária voltemos em busca do fio da meada. Pois bem, se na obra o autor cria uma realidade soberana, essa mesma realidade também é frágil. Está a mercê das carências, veleidades e opiniões daqueles que se acercam dela.
Como convencer determinado leitor da importância de tal obra se a opção estética da mesma não faz parte de seu mundo?
Certa vez um poeta jovem afirmou a respeito de Paul Celan, Lezama Lima e Ezra Poud, que “ para desfrutar dos malabarismos, dos contorcionismos e os triplos saltos mortais, prefiro ir ao circo.”

Sem concordar com o jovem poeta, a frase serve como alerta: nenhuma obra está fora de perigo, nem sempre a qualidade se impõem por si , dependerá sempre do gosto e da formação do leitor. E aí que As confissões do homem invisível começam a correr perigo.
Contra as limitações do gosto individual nada se pode fazer, no entanto quanto a formação do leitor se pode debater, estudar, comentar, quem sabe criando novos paradigmas e movimentos estéticos. Talvez resida aí a grande contribuição de Alexandre Plosk, fazer um contraponto da figura do escritor culto,observador, atento a tudo que o cerca, com concepção intuitiva do trabalho literário.
O autor parece querer recuperar, ou quem sabe fundar uma harmonia existencial; unir a consciência ao Todo. Plosk aspira, com As confissões do homem invisível, a reconciliar-se com o mundo; mistura cultura judaica coma teoria do caos,a diluir a dor, a entender a distância e o vazio, a inventar uma maneira de fruir a plenitude onde convivam o desejo e a solidão, a frustração e as lembranças, os sonhos e a justiça. No entanto tamanho engenho acabará por deparar-se frente ao muro sólido da realidade. Então o Eu fragmentado assumirá o papel de Sisifo, e na busca da sua reconstrução renasce em seu sofrimento infindável, embora por vezes acredite tê-lo derrotado. No entanto, a vida não é feita só de alegrias, essa lição todos nós aprendemos muito cedo.Encontrar tristezas! Esse é o problema, encontrar o que não se procura, ninguém sabe onde pesquisar , mas também não é motivo para preocupação...ela vem...é uma coisa beirando a perfeição, a tristeza. Mas podia ser a pazA paz está distante , muito distante da perfeição, para haver paz é necessário que exista um derrotado. A tristeza vem, você não inventa. Depois da tristeza e sofrimento o indivíduo só almeja uma coisa: liberdade. E liberdade implica em perder algumas coisas. Perder, exatamente isso, perder, é o que consegue o protagonista de As confissões do homem invisível. Detalhe importante; caberá a você, visível leitor, decidir se ele encontrou a felicidade.
As confissões do homem invisível não tem por objetivo a articulação lógica, a trama nasce exatamente na desarticulação lógica do protagonista; no entanto se aproxima da tentativa de causar impacto emocional quando um certo viés onírico atua como coadjuvante dos humores da consciência ou dos horrores e dos desejos.
Para concluir: As confissões do homem invisível é a imagem, no espelho de cada um, da luta entre o Eu fragmentado e a unidade, o impulso desde a dor até a eclosão de um novo tempo, sem trevas. A fragmentação existencial do protagonista gera a fragmentação da narrativa - a cisão entre o Eu e o Todo.
Não, não é uma leitura fácil, caso você, preguiçoso leitor, pretender ultrapassar os véus do lúdico que revestem a narrativa. No entanto, se eu fosse você, abandonaria o comodismo pois não se arrependerá, por que “viver é muito diferente de obstaculizar a morte e no amanhecer dos meus sapatos solitários escuto os passos de alguém igual a mim. Num outro país.”
TRECHO
Enquanto ele fala e fala, cada vez mais banhistas vêm acompanhar a conversa.Eles o incentivam, como se fosse um pastor. Dizem “amém”, “Deus seja louvado” a cada uma de suas brilhantes idéias. O mais incrível é que um grupo de animais vem pouco a pouco se aproximando. Primeiro um coelho, depois um burro, uma tartaruga, um gato, um cachorro...Todos eles parecem escutar suas palavras. Logicamente foram acostumados a isso.Imagino que, ao final, alguém lhes dê algo de comer.
Tio Charles tem um carinho especial pelo coelho. Ele o pega nos braços sem perder o ritmo.O coelho é engraçado.Ele me olha de vez em quando. Parece notar o quanto estou perdido diante de tantos conhecimentos.Tenho a nítida impressão de que está prendendo o riso por minha causa.
E por aí a coisa vai fluindo com Tio Charles encantando sua enorme platéia. Puro/Não-Puro. Rituais que tentam estabelecer diferenças.Deus. Homem. Eu. Outro. Imortalidade.Mortalidade. Construção de sentidos, enfim.
-Muito bem! Então, você entende o que é a Lógica. Ela faz sentido para você, não faz? Então, se a Lógica existe, isso só pode provar que existe também a sua contrapartida, certo?
Agora as coisas poderiam ficar complicadas.
-Lógica, Não-Lógica.Ah! Escolha o nome que quiser!
Consciente, Inconsciente, o que seja! Vamos, isso é moleza, rapaz!
Sigamos juntos: a Não-Lógica pressupõe a ausência total de Lógica, certo?
-Certo.
-Errado! A Não-Lógica é definida como “não-lógica” justamente porque neste universo não-lógico não cabe qualquer comparação com a Lógica. Portanto, a Não-Lógica jamais pode ser entendida através de uma mente lógica.
O AUTOR
Alexandre Plosk nasceu no Rio de Janeiro em 1968. Cursou publicidade e cinema.Além da literatura, trabalha com roteiro de cinema e televisão.Assinou a direção de curtas-metragens e escreveu o roteiro do longa Bellini e a Esfinge, prêmio de melhor filme do Festival do Rio. Em 2004, estreou na literatura com o romance Livro zero, As confissões do homem invisível é sua segunda obra literária.Atualmente, Plosk é roteirista da TV Globo.
Luíz HorácioJornalista, escritor, autor dos romances Perciliana e o pássaro com alma de cão, ed.Conex e Nenhum pássaro no céu, ed. Fábrica de Leitura, professor de Lingua Portuguesa e Literatura, mestrando em Letras.






Luís Vaz de Camões foi um dos vultos maiores da literatura da Renascença. Nascido em 04 de fevereiro de 1524, em local incerto (Lisboa ou Coimbra), filho de uma família da pequena nobreza, não se pode aceitar que não tenha tido uma educação formal de qualidade, tendo em vista a universalidade do conhecimento de sua obra, particularmente da épica.




